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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Há coisas que, por mais que nos esforcemos, as explicações que no deem sobre determinados factos que ocorrem na vida política não se conseguem compreender e ficam no âmbito do ridículo. Já lá irei.
Houve um jornal humorístico bissemanário publicado antes de 1917, “Os Ridículos”, que atravessou toda a I República, o que já de si constitui uma proeza a sua terceira série, a série de ouro do jornal, começa em 1905 e só termina em 1963, em pleno Estado Novo. Teve ainda a particularidade de, após a implantação do novo regime, alterar o seu posicionamento político-ideológico, descobrindo-se nele uma “esboçante simpatia monárquica”. Durante a ditadura de Salazar, apesar de visado pela censura, publicava nas suas páginas, crítica política e social e sátira aos principais acontecimentos da época, temperadas com jocosos comentários que lhe granjearam uma enorme popularidade
Aquele título, com o passar dos anos, se tivesse sobrevivido e atualizado a sua disposição editorial teria material mais do que suficiente para um olhar crítico sobre a política que nos rodeia.
Caricato e risível, para algumas iniciativas que vieram do anterior governo e que já se prevê vão prolongar-se pelo que vai entrar em funções, são adjetivos que poderão circular pelas redes sociais e outros habituais distribuidores de informação mais ou menos deturpada vindos do lado de quem tudo critica, seja bom ou mau. Se razões não faltam ainda lhes dão mais algumas achas para a fogueira. E os que representam a extrema-direita rejubilam porque terão matéria para criticar já que o populismo de uns leva-os a apregoar o Estado mínimo, e o de outros a dizer que 100 deputados seriam suficientes.
Uma delas é a de um Governo, o XIII Governo Constitucional, com setenta elementos entre ministros e secretários de estado. Terá sido necessário para a eficácia e o trabalho durante a próxima legislatura ou será apenas para atribuir lugares prometidos ou, ainda, para no meio da legislatura serem forçados a demitirem-se por falhanços e incompetência? O que é ridículo não são os ministros, mas nomes dos ministérios. Isto merecia zombaria num jornal humorístico. E a despesa criada com estas pastas todas relativamente aos resultados e á eficácia a conseguir? Já disseram por aí que a despesa é pouco relevante. Será? É que não apenas os gastos com os empossados, mas com toda a máquina que os envolve.
Não há dúvida de que um governo com setenta pastas (se não forem caçarolas) não terá razões para se queixar de ter muito trabalho e vai ter tempo para planear e evitar asneirar.
A segunda que veio a público são os novos sinais de trânsito. Faço questão de fazer algumas citações de um artigo de opinião que Pacheco Pereira publicou no jornal Público que é elucidativo do ridículo.
«Um dos melhores exemplos é a utilização da palavra “climático/a”, que na sua origem tem uma expressão sem sentido, a da “greve climática”, e depois contagiou programas eleitorais nas últimas eleições, palavras de ordem em outdoors e, de um modo geral, uma submissão acrítica a conceitos ambíguos e politicamente radicais.»
“Temos agora um ministério “do Ambiente e da Ação Climática”, escrito nessa linguagem do anti-português que é a do pseudo-Acordo. O meu corrector de texto, ainda preso ao saudável e bom português, anuncia um erro no “ação”. Mas a luta pelo ambiente e pela ecologia não constitui também uma acção pelo clima? Pelos vistos não.»
«Por exemplo, temos agora um ministério e uma secretaria de Estado da “Economia e da Transição Digital”, nome que nos vai sair caro, no papel e em árvores, com a necessária mudança de centenas de milhares de impressos, deste e dos outros ministérios mutantes. Eu sei o que é a “transição digital”, ou pelo menos o que eles pretendem que seja, mas a ascensão ao nome do ministério esconde os inúmeros problemas… analógicos da nossa economia. Por exemplo, nenhuma secretaria de Estado neste ministério “digital” tem no seu nome a indústria, que está a definhar na economia e no vocabulário. Pelo contrário, o Turismo, o Comércio, os Serviços, estão lá. É esta a realidade da desindustrialização? É, mas vão explicar a “transição digital” aos têxteis, ao calçado, à indústria que sobra, onde trabalham milhares de portugueses que, pelos vistos, são invisíveis face ao modismo e ao brilho mediático do “digital”.»
«A “descentralização” está num ministério, a “coesão territorial” noutro, a “valorização do interior”, outro nome cheio de empáfia, numa secretaria de Estado. Por aí adiante».
Sobre os sinais de trânsito quem sabe de inspiração do PAN:
«Já os sapos e os linces ibéricos passaram a ter um sinal próprio, o que é um sério upgrade para os linces que se contam pelos dedos da mão. Quantos sinais para os linces vão ser colocados no país? Um, dois? E com os sapos está muito bem, as estradas portuguesas são atravessadas por
multidões de sapos e, com o novo sinal, pode acontecer que algumas senhoras (convém fazer vénia ao politicamente correcto, e alguns senhores) podem parar para beijar o sapo na esperança que ele se torne num príncipe, ou princesa encantados. Na verdade, devia ser proibido atentar contra a animalidade dos anfíbios, mas disso o PAN tratará. Tenham juízo.»
E sobre a zonas residenciais!
«E depois temos as zonas residenciais ou de “coexistência”. O que é isso da “coexistência” que não cabe nos sinais de trânsito já existentes? E uma criança a jogar a bola na rua com um adulto a ver, não deveria ter também um sinal de “é proibido jogar a bola na rua”? Como devia ser proibido “coexistir” muito junto das estradas. Já há sinais para tudo isto. Tenham juízo.»
A direita que agora reage sobre os familiares no atual governo quando esteve em sucessivos governos nunca se dispôs nem tomou ao seu cuidado propor qualquer legislação sobre o tema.
Familiares na governação passou a ser o tema estimado pela direita para, à falta de substância sobre reais problemas, fazer oposição ao Governo porque quanto às ações governativas muito pouco pode já há a dizer. Assim, à falta do essencial dedica-se ao acessório. E a oposição de direita sabe que tem impacto na população e, por isso, explora o tema com artifícios emocionais acusando os membros do Governo de nepotismo.
Nepotismo, termo utilizado pelo rei da demagogia e do populismo do PSD, Paulo Rangel, é um termo utilizado para designar o favorecimento de parentes ou amigos próximos em detrimento de pessoas mais qualificadas, geralmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos públicos e políticos. Parece-me estar fora questão que as pessoas em questão não tenham qualificação nem competências para os cargos que desempenham.
Antes de continuar torna-se necessário esclarecer que não tenho uma posição muito clara sobre estes casos que, apesar de estarem na legalidade, serem ou não eticamente corretos pelos motivos que irei adiante explanar.
Começo por referir o que ao longo dos anos tenho escutado aqui e ali em conversas informais no que trata a nomeação de familiares em empresas privadas e os lamentos por tal causados. Não é a mesma coisa que são nomeações de familiares para cargos governativos dir-me-ão. Numa primeira impressão poderá não ser.
Nomeações de filhos ou filhas para conselhos de administração, esposas para chefes de departamento, sobrinhos e amigos, admitidos para chefes de qualquer coisa causam descontentamento em trabalhadores competentes nas suas funções e fiéis há anos nas empresas que se vêm ultrapassados por familiares por vezes sem as competências devidas para o cargo ou função. Em empresas grandes, médias ou pequenas, bancos, companhias de seguros, etc.. Estes casos são mais vulgares do que se pode pensar. Comentam-se nos corredores, aos telefones, contam-se aos amigos com mostras de desagrado e críticas aos patrões, administradores ou chefes. É assim que funciona no privado e, como tal, as decisões são intocáveis justificados por serem lugares ditos de confiança.
Situemo-nos agora na função pública. Nesta esfera colocam-se-me várias interrogações no que se refere a convites ou nomeações de familiares para funções governativas, desde que cumpridos os requisitos legais e nas mesmas circunstâncias para qualquer cidadão concorrente ou convidado para um cargo como o são os convites para ministro, secretários de estado ou outros.
Com o objetivo de uma explicação mais clara recorrer a alguns exemplos perguntas que se colocam ao meu entendimento e que o leitor se poderá também admitir num patamar não emotivo.
Vamos então supor que eu, ou você, tem um familiar, por exemplo, um filho, filha ou esposa, a trabalhar numa função diretiva ou de chefia na função pública num determinado departamento de um qualquer ministério. Eu, ou você, somos independentes ou pertencemos a um partido que vai para ou está no governo somo convidados para ministro ou outra função governativa. Segundo as críticas e comentários correntes, ambos teríamos apenas duas alternativas: não aceitávamos o cargo ou os familiares que se encontravam nesses ministérios teriam de demitir-se e ficar no desemprego ou ficarem com licença sem vencimento. Quem, nestas circunstâncias, aceitaria a responsabilidade de um cargo governativo.
Veja-se ainda o seguinte caso em que eu ou você, aceitámos o cargo de ministro ou de subsecretário de estado e que temos um familiar próximo, ou não, no nosso ministério ou em qualquer outro e necessitamos de um chefe de gabinete ou de um assessor para uma determinada área. Havendo pessoal com as competências necessárias para a função no ministério que por acaso são nossos familiares, o que fazer? Contratar pessoal no exterior, assumindo mais um encargo salarial, ou chamar para a função alguém que já é do quadro apesar de ser um nosso familiar? O que você faria? Faço notar que o problema de haver um familiar a desempenhar funções de responsabilidade mantinha-se a não ser que, como disse anteriormente, se demitisse você ou o seu familiar do cargo. Isto leva-nos a outra questão que é a dos concursos para cargos de responsabilidade como de direção, chefia ou outras idênticas para a função pública.
Se um meu ou seu familiar concorrer para a função e passar pelo crivo do concurso por melhor classificação o que fazer? Não aceitar o lugar porque tenho um familiar no governo ou o meu familiar demitir-se do cargo para que eu possa ser admitido.
Que transparência existe e com que razão ética os partidos, nomeadamente a direita PSD e CDS falam quando sabemos que existem ligações entre deputados e sociedade de advogados. Os deputados à Assembleia da República (AR), trabalham em simultâneo como administradores, consultores, advogados, etc. para empresas que celebram contratos com entidades públicas apesar de não poderem deter mais de 10% do capital social dessas empresas. A lei foi alterada, mas, segundo o jornal de Negócios “o PSD, com a abstenção do PS, alterou quinta-feira, à última hora, um artigo do estatuto dos deputados que lhes permite continuarem a pertencer a sociedades de advogados, ao contrário do que chegou a estar consensualizado” como pode consultar aqui. A transparência deve ser uma excelência, mas onde se colocam os limites.
Já agora, para finalizar recordo que a direita quando grita aos quatro ventos a indignação contra os familiares que estão no atual Governo e noutras funções têm telhados de vidro e esquecem-se do seu passado governativo. Vejam-se o caso das 11 mulheres de ministros e secretários de Estado do Governo e ainda mais quatro familiares diretos que faziam parte das estruturas dependentes do Estado, na altura em que Cavaco Silva era primeiro-ministro. Cavaco Silva mentiu ou está com amnésia política quando afirmou que não detetou nenhuma ligação familiar nos governos que liderou. Pode conferir aqui.
Segundo o Expresso e o Polígrafo a lista é enorme:
Maria dos Anjos Nogueira: mulher do ministro da Presidência e da Defesa Nacional, Fernando Nogueira; nomeada para adjunta do secretário de Estado da Saúde, José Martins Nunes.
Fátima Dias Loureiro: mulher do ministro da Administração Interna, Dias Loureiro; nomeada para adjunta de Pedro Santana Lopes.
Sofia Marques Mendes: mulher de Luís Marques Mendes, "na altura um dos membros mais influentes do Governo", segundo o Polígrafo; nomeada para adjunta do secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro.
Margarida Cunha: mulher do ministro da Agricultura, Arlindo Cunha; nomeada para secretária do ministro Couto dos Santos.
Maria Filomena de Sousa Encarnação: mulher de Carlos Encarnação, secretário de Estado Adjunto da Administração Interna; nomeada para adjunta do subsecretário de Estado da Cultura, António Sousa Lara.
Maria Cândida Menezes: mulher do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Luís Filipe Menezes; nomeada secretária de Fernando Nogueira, ministro da Presidência e da Defesa Nacional.
Celeste Amaro: mulher do secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro; nomeada para vogal da direção, nos serviços sociais da Presidência do Conselho de Ministros.
O casal Paulo Teixeira Pinto e Paula Teixeira da Cruz: Ela entrou primeiro no Governo, como assessora de Marques Mendes; mais tarde, ele foi nomeado subsecretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Regina Estádio Marques: mulher do assessor de Cavaco Silva, Pedro Estácio Marques; nomeada secretária de Carlos Encarnação.
Fátima Loureiro: mulher de Carlos Loureiro; nomeada para a Administração Interna, "onde convivia com o seu marido".
Eduarda Honorato Ferreira: irmã de José Honorato Ferreira, chefe de gabinete de Cavaco Silva; responsável pela coordenação de agenda do ministro das Finanças.
Isabel Elias da Costa: mulher de Elias da Costa, secretário de Estado das Finanças; nomeada para adjunta de Couto dos Santos, dos Assuntos Parlamentares.
Teresa Corte Real Silva Pinto: irmã da secretária de Estado da Modernização Administrativa; Isabel Corte Real; nomeada secretária de Couto dos Santos.
Isabel Ataíde Cordeiro: mulher de Manuel Falcão, chefe de gabinete do secretário de Estado da Cultura; nomeada para adjunta da secretaria de Estado do Desenvolvimento e Planeamento Regional. Ela entrou primeiro e só depois veio o marido.
Margarida Durão Barroso: mulher do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Durão Barroso; nomeada para a Comissão dos Descobrimentos.
O conceito de transparência instalou-se, e bem, democracia, mas está a abranger um caminho sem limites. A transparência em política tem a ver com a observação do poder e do controle dos cidadãos tendo em vista o controle da corrupção e tráfico de influências.
Mas a transparência tem de ser equilibrada e proceder com o bom senso e não servir para perseguições a cidadãos e políticos de que não gostamos ou nos possam fazer sombra política consoante os nossos desejos.
O entusiamo pela luta por determinada causa como a transparência não pode esconder os seus inconvenientes, as dificuldades ao seu exercício e os seus efeitos secundários, por isso deve ser equilibrado com outros instrumentos que não sejam apenas a transparência pela transparência.
Numa democracia requer-se transparência, mas esta deve ser promovida com peso conta e medida porque, a democracia, não a suporta em excesso. A democracia dispõe de múltiplos meios para observar e avaliar os governos e em paralelo e em demasia os órgãos de comunicação competem entre si pela venda da informação que vão recolhendo em nome da transparência.
Em democracia os cidadãos dispõem de vários meios para observação e avaliação dos governos tais como o controle parlamentar e judicial, o papel das agências de regulação e hoje em dia as redes sociais onde quem as frequenta acha que tudo o que se passa é objeto de observação e debate público, não raras vezes propositadamente distorcida e enviesada.
A transparência em democracia não é, por vezes, tão transparente quanto parece porque os partidos, quando estão na oposição, utilizam-na para destruir o caráter de quem esteja no poder governativo. A direita, com a ajuda de alguns órgãos de comunicação sob os mais variados pretextos procura algo que a possa ajudar a destruir ministros e detentores de outras funções públicas atuando com uma vigilância interesseira sobre os governantes.
É um facto que em política a sensação de controle melhora os comportamentos ou serve como dissuasão para não se cometerem erros que têm a sua origem no segredo e na opacidade, mas, para isso, a transparência tem que ter bom senso e não servir apenas como arma de arremesso a quem não interessa a determinado partido ou grupo político pelas mais diversas circunstâncias como, por exemplo, fazer simplesmente oposição política em substituição de contributos para a respetiva correção.
A observação, o controle e transparência exigida aos políticos tem efeitos secundários que anteriormente referi. A vigilância extremada sobre os políticos e os governantes leva-os a proteger excessivamente as suas ações e os seus discursos. Assim, políticos ao saberem que os seus mais pequenos atos e declarações são escrutinados e difundidos espartilham a sua comunicação.
A nossa democracia cada dia empobrece mais pelos discursos vazios do que pelo ocultamento expresso da informação quer pelos governantes quer pela oposição. O escrutínio da vida privada dos políticos e a exigência da transparência tende a exacerbar-se mais quando o governo está nas mãos de um partido de esquerda do que nas alturas em que é a direita que o detém.
O tal princípio da transparência tão apregoado não pode ser um poder absoluto visto que a vida política, mesmo que seja numa pequena parcela, requer espaços de discrição como em qualquer outra profissão como a dos jornalistas aos quais se reconhece o direito de não revelar as suas fontes sem o que não poderiam fazer o seu trabalho.
Até aqui referimo-nos à transparência política das decisões tomada e considero que nem tudo pode ser transmitido porque determinadas negociações se são divulgadas poderia não ser, com certeza, bem-sucedidas. Todavia, o controle das incompatibilidades sobre políticos para cargos governamentais deve ser transparente, mas como a do exercício do poder não pode ser em exagero fazendo com isso campanhas políticas destrutivas.
Se eu for um técnico e político competente e convidado para dar um contributo positivo ao meu país numa função governativa e, eventualmente, um elemento da minha família estiver a exercer funções de responsabilidade numa empresa ou instituição privada que esteja no domínio da pasta que me foi distribuída e se isso o obrigar a deixar esse posto de trabalho deverei, ou não, aceitar o lugar? Isto parece-me um absurdo da transparência. Há, decerto, outros meios de controle.
Analisemos numa perspetiva mais prática: quem for convidado para ministro de uma pasta de economia ou qualquer outra, e se alguém da família ocupar um lugar de responsabilidade numa grande empresa ou instituição que pertença à área da referida pasta há eventuais incompatibilidades, logo, há que demitir-se do emprego onde se encontra ou então não aceitar a pasta. Deverá então procurar-se alguém com competências políticas e técnicas que ande por aí sem trabalho e sem prática para se convidar para a função?
O raio que os partam com a transparência e com as eventuais incompatibilidades!
Se estes políticos não servem. Inventem-se outros.
Só quem nunca viveu em ditadura é que não conhece o verdadeiro significado do que é viver em democracia. Quem já nasceu e viveu em democracia não lhe dá o real valor. É, portanto, legítimo que muitos se desiludam com o seu exercício tal e qual se vive atualmente culpabilizando os políticos e os partidos.
É frequente ouvirmos por aí divulgar a ideia de que os partidos não se entendem. Isto é um erro de princípio visto que os partidos, divergindo quer nas suas ideologias, quer na forma de aplicação de modelos e políticas à governação, não se constituíram para se entender. Se assim fosse teríamos uma espécie de partido único ou uma espécie de “União Nacional” como no tempo da ditadura.
Quando alguns comentadores políticos, alguns bem pagos para isso, e, a maior parte das vezes, da mesma corrente partidária, falam em governos patrióticos de emergência nacional ou de salvação nacional, através de entendimentos partidários, apenas têm um objetivo: salvar o partido do governo da má governação implicando outros para que depois também se lhes possa atribuir responsabilidades pelos eventuais fracassos protegendo, assim, a sua imagem da exclusividade das medidas. A unanimidade de partidos no que se refere a medidas a tomar e políticas a seguir em tempo de crise, são uma espécie de convergência mascarada de sentido patriótico para reduzir e minimizar as vozes discordantes que se possam levantar contra um governo de maioria absoluta.
Que não existe democracia sem partidos e sem políticos deve ser um dado adquirido. Mas, se não devemos, nem queremos, terminar com a democracia podemos sempre, através de movimentos cívicos, provocar a saída dos políticos que se aproveitam da democracia para seu benefício pessoal.
Tenham sido bons ou maus os políticos de craveira chegaram, na sua maior parte, ao fim da sua carreira política deixando os portugueses à mercê de governantes e de políticos jovens oriundos das “Jotas” das quais se aproveitam para, no seu interesse pessoal e carreirista, conseguirem um emprego numa bancada parlamentar ou num emprego público que o seu partido se encarregará de arranjar através do que vulgarmente se chama “Jobs for the Boys”. Assim se conseguem lugares, por vezes criados à medida, numa carreira pública onde o serviço prestado é, por si mesmo inútil, mas que os nossos impostos se encarregarão de pagar.
Será então que os jovens não terão direito a ingressar numa carreira que os prepare para a governação futura do país? Claro que sim. O que é inadmissível é que jovens com pouco mais de 30 anos, saídos das universidades, sem experiência da vida pública, sem conhecimento concreto da sociedade em que vivem, com ideias e modelos sociais e económicos pré-concebidos que teorias, e em alguns casos professores, ajudaram a construir e incutir em mentes entusiásticas mas que se refletem posteriormente em experiências socialmente desastrosas.
Imagine-se um primeiro-ministro ou um ministro de uma qualquer pasta, vindo de uma qualquer empresa sem história e com uma carreira política mais ou menos desconhecida. Cabe-nos perguntar que competências governativas e credibilidade poderão ter para governar um país e que confiança pode transmitir? Uma carreira pública e política vai-se construindo, não aparece por uma qualquer nomeação para um cargo no governo, usufruindo de um salário que, na melhor das hipóteses, nunca sonhou vir a ter, não fosse o partido onde se filiou.
Hoje resolvi colocar aqui um conto muito fresquinho, porque recente e atual, escrito por Isabel Moura e ilustrado por Matos Costa. É uma crítica social sobre o qual vale bem a pena pensar.
Encontramo-nos numa encruzilhada em que este tipo de contos vêm mesmo a propósito já que, pela via normal da escrita dos artigos de opinião política, muitos podem não ter paciência para os ler.
Só peço à Isabel para fazer mais coisas destas. E, passo a passo, em pouco tempo terá um livro de crónicas e de contos praticamente escrito.
Vamos então ler. Vale a pena!
lustração de Matos Costa
O Rei e os seus ministros
Era uma vez um Rei que tinha três ministros.
E os ministros decidiam, punham e dispunham e o Rei assinava, mataborrava, lacrava e selava tudo o que os três ministros decidiam, punham e dispunham.
E cada vez que os ministros reuniam para decidir, pôr e dispor e o Rei assinava, mataborrava, lacrava e selava, o País perdia um bocadinho de cor.
Tudo começou tão devagarinho que quase nem se deu por isso.
Primeiro as pessoas deixaram de vestir de vermelho, depois esqueceram o verde, o amarelo e começaram a vestir de preto, cinzento e castanho.
E os ministros continuavam a reunirem-se para ministriarem, decidirem, porem e disporem e o Rei continuava a assinar, mataborrear, selar e lacrar e as pessoas deixaram de pintar as casa, as cores foras descascando, escorrendo pelas paredes, até que ficaram todas do mesmo tom cinza pálida.
E esqueceram-se dos jardins e das flores, de regar a erva e tudo foi ficando cinza, castanho, preto, queimado, esquecido.
Um dia o Rei chegou à janela e olhou aquele país sobre o qual ele assinava, mataborrava, selava e lacrava e sentiu o peso do país sem cores e a tristeza que mataborreava tudo. Quando os três ministros que tudo decidiam souberam que o Rei ia sair para observar de perto o seu Reino, acorreram imediatamente, cheios de urgências e muitos, muitos decretos a necessitar serem assinados, mataborreados, lacrados e selados e, perante tanta insistência o Rei prendeu-os numa rede mágica que encolhia um bocadinho de cada vez que eles asneiravam no seu decidir, ou no pôr, ou no dispor. Hoje o Rei tem os três ministros em cima da secretária, vivem num cubinho de rede muito pequenino, sevem de pisa-papeis a todos os decretos que o Rei trata de assinar, mataborrar, lacrar e selar para ver se as cores regressam ao seu país cada vez mais cinzento.
Nos últimos dias os senhores comentadores, a propósito, de uma frase dita pelo senhor primeiro-ministro teceram as mais filosóficas teorias e considerações políticas justificadoras da dita frase “Que se lixem as eleições!”.Justificam alguns que importantes figuras da política de outros países também tiveram as suas frases, outros apenas demonstra o rumo certo que o primeiro-ministro está a seguir sem se importar com o ganhar ou perder as eleições, o que deve ser elogiado. Outros ainda, dizem que ao proferir tal frase está a insultar os portugueses ao passar a mensagem deque as eleições não servem para nada, o que importa é fazer o que se tem que fazer, seguir o rumo traçado, mesmo que se esteja a ver que no vai levar para o precipício ou para o deserto, sem a mínima capacidade de avaliação do trajeto
Pois bem, se me permitem, também tenho a minha interpretação que é mais ao nível da teoria da conspiração, no sentido em que não é apoiada por evidências conclusivas e afasta-se da interpretação institucional. Assim, do meu ponto de vista, aquela frase não foi enunciada por acaso, tem objetivos populistas e popularuchos de modo a induzir comentários ao nível das ruas e cafés. É como uma espécie de lavagem que, como um qualquer detergente, retire da opinião pública as nódoas que lhe têm caído em cima e a alguns dos seus ministros. Podem imaginar-se os comentários que podem advir de conversas entre um certo tipo de donas de casa, apesar de todo o respeito que tenho por elas. “Estás a ver como ele é diferente dos outros! Ele está a fazer tudo para bem o país sem se importar com a ambição do poder!”.Se não tivermos memória curta, recordamo-nos que fez cair propositadamente um governo (que, diga-se, estava a passar dos limites) para quê? Para depois perder as eleições? Claro que não!
As próximas eleições ainda vêm longe, portanto, partindo do pressuposto que o povo tem memória curta, pode fazer-se tudo que o prejudique e dizer-lhe tudo o que apetecer.Na proximidade das eleições há sempre a possibilidade de dar a volta e desmentir tudo o que se tenha dito para atrair incautos.
Estão a ver naquela altura um primeiro-ministro a fazer ou a dizer algo que conduza à perda das eleições do seu partido, apesar de antes ter dito que se estava lixando para as eleições? Eu não!
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