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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Mentirosos
O espetáculo lamentável dado pelo primeiro-ministro na Assembleia da República em primeiro lugar não o dignifica e que demonstrou ter perdido o rumo e o controle da situação. A deputada Catarina Martins do Bloco de Esquerda, pessoa que nunca foi do meu agrado devido às suas intervenções mais ou menos comicieiras, ao referir que a palavra do primeiro-ministro não "vale nada", não foi de todo desajustada na verbalização do termo aplicado, pois é sabido que Passos Coelho tem mentido e ocultado a verdade ao longo destes três anos de governo, por isso não tem autoridade moral para criticar seja quem for quando o confrontam com afirmações contraditórias no que se refere a políticas que anteriormente negou aplicar ou que nunca clarificou.
O primeiro-ministro foi questionado sobre questões do corte de salários e pensões quando dizia que eram medidas pontuais e transitórias. É verdade e evidente que ele mais do que uma vez o afirmou. Há cerca de um mês disse Passos Coelho que "Não enfrentaremos o futuro pensando que todos estes cortes que tivemos de fazer permanecerão. Muitos deles serão transitórios". Ao afirmar convictamente que aqueles cortes são para continuar significa que Passos Coelho mentiu logo, Catarina Martins ao afirmar que a palavra dele não vale nada não cometeu nenhuma calúnia.
Passos Coelho refugiou-se numa frase tirada da cartola num momento de ilusionismo para se esquivar a respostas objetivas dizendo que "Dado o valor que a minha palavra tem não estará à espera de resposta". Portanto, acabou por assumir a falta de valor da sua palavra. O menino ficou com a birra ao ser confrontado publicamente com as suas mentiras e, mais uma vez, aproveitou para fugir à questão.
Desvairados
Hieronymus Bosh - O Jardim das Delícias Terrenas, painel direito - Detalhe do Coelho
Face ao desaire eleitoral que preveem os partidos do Governo os seus líderes e apoiantes perderam o rumo e desesperam refugiando-se nuns índices e dados macroeconómicos que neste momento ainda nada representam na realidade portuguesa.
Mas, para além das mentiras com que têm iludido os portugueses o Governo anda desvairado, alucinado, desatinado. Palavras, todas elas, mais do que adequadas ao que os seus elementos e propagandistas têm vindo a demonstrar nas mais diversas ocasiões e lugares.
Um dos desvairos são as afirmações de Paulo Rangel como o de fazer apelo à utilização das redes sociais para atrair as gerações mais novas com certeza para caírem, mais uma vez, nas armadilhas que a coligação Aliança Portugal prepara e que mais se deveria chamar "Coligação Aliança para a Destruição de Portugal". Claro que agora pretendem tirar dividendos do discurso fácil e divisionista lançado na sociedade colocandojovens contra velhos sabendo, previamente, que estes não andam pelas redes sociais.
Outro desvario corrente que se repete ad nauseam é o do sistemático convite para o Partido Socialista se sentar à mesa com o Governo. Será para alguma almoçarada? Mas que pressa é esta? A insistência leva a desconfiar. Se alguém convidasse outro para colaborar depois de o ter acusado e intrujado este ficaria sempre de pé atrás.
Paulo Rangel já arquitetou o discurso desatinado contra a oposição mas, ao mesmo tempo, apela a consensos. Mas que consensos? Será que pretende fazer campanha eleitoral em conjunto casos os haja?
Nesta altura perante a proximidade de eleições europeias um governo com maioria absoluta que governa Portugal há três anos estar a insistir numa negociação com o seu opositor político é o mesmo que estar a dizer que o quer meter num buraco sem saída com comprometimentos e prejuízos óbvios.
No “post” anterior efetuei uma analogia entre o romance “A Náusea” de Jean Paul Sartre e a náusea que o governo de Passos Coelho provoca na maioria dos portugueses. Hoje vou abordar, no contexto da mesma analogia, outros aspetos mas específicos que provocam mais náusea do que angústia.
De acordo com o Jornal Público o primeiro-ministro afirmou no dia 13 de maio em Paris que o novo pacote de austeridade não se aplica e passo a citar “à generalidade das pessoas” e que “não têm consequências diretas para os cidadãos”. Não ficando por aqui continua e insiste, ao anunciar a dispensa de funcionários públicos e a contribuição especial sobre as pensões, que “não têm consequências diretas para os cidadãos”.
Qual é o objetivo daquelas afirmações a não ser o de dividir os portugueses para melhor conseguir os seus intentos que são o de destruir a economia, ao mesmo tempo que tem uma mão cheia de nada para a dinamizar. Talvez seja inspiração do ministro das finanças alemão que, como ele, desconhece por completo a cultura e a organização social de Portugal mas que elogia, sem hesitação, medidas que vão contribuindo cada vez mais para a nossa dependência e o descalabro económico e social.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Analisando as afirmações de Passos Coelho não é difícil concluir que, para ele, os tais setores da sociedade que refere não fazer parte da generalidade das pessoas, passam de imediato a meros elementos de uma minoria, estigmatizando-os. É a evidência da verbalização de uma forma de pensar acamada numa ideologia simplista para quem o social é desprezável.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Não nos digam que foi um lapso e que é um problema de comunicação, como alguns comentadores da propaganda do Governo pretendem fazer crer. O objetivo, por detrás daquelas afirmações, evidencia a miniaturização do Estado Social, fazer descer os salários, enclausurar o consumo das famílias, cortar na despesa pública sem critério, como se um país fosse governado por uma doméstica (com todo o respeito pelas domésticas) onde o corte na despesa não tem consequências sociais nem para terceiros.
Mas se as medidas se destinam, por agora, apenas aos tais cidadãos que “não fazem parte da generalidade das pessoas”, por experiência e pela história da evolução económica em Portugal nos últimos anos, a tendência será para que os que fazem parte da generalidade das pessoas sejam forçados a alinhar por contágio com a redução salarial e de direitos que, há muito, é ambicionada pelos proprietários e gestores de empresas dos vários setores de atividade.
Isto provocará angústia e náusea.
Passos Coelho ao compartimentar a sociedade não terá que combater tudo e todos ao mesmo tempo. Assim, a estratégia maquiavélica é a de dividir a população em minorias setoriais, culpabilizando-as sucessivamente e desconsiderando o facto de que, enquanto minorias, têm os mesmo direitos das maiorias porque são Homens e Mulheres, independentemente do seu enquadramento social e profissional. Para o primeiro-ministro o facto de um conjunto de sujeitos serem minorias por si só dispensa a necessidade de qualquer justificação. Formas de pensamento idênticas, na Europa do passado, deram lugar a várias perseguições.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Em vez de se limitar a explicar as medidas de austeridade e a dizer, eventualmente, que não serão demasiado violentas ou contrárias à equidade, limitou-se a dizer que não se aplicam à generalidade das pessoas.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Aponta minorias mencionando supostas benesses para provocar o ressentimento e inveja contra essas minorias. Recordo-me da estratégia contra os judeus no contexto político nazi.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Arranja sucessivamente bodes expiatórios desde a Constituição da República até ao Tribunal Constitucional passando pela oposição e até parceiros sociais.
Passos, o seu Governo e alguns dos deputados que o apoiam selecionam um “target” (grupo-alvo) e apontam para ele privilégios. Com este propósito induzem outros grupos a olhar para o teto numa atitude de... Isto não é nada comigo! Mas não diz… preparem-se porque a vossa vez também chegará.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Criando bodes expiatórios e dividindo os portugueses em grupos sociais e profissionais rivais tais como novos contra velhos, trabalhadores do privado contra os do público, pensionistas pobres contra pensionistas supostamente ricos, pobres e remediados contra ricos, torna-se muito mais fácil silenciar consciências, calcar valores para, consequentemente, poder dominar.
Sem querer estabelecer quaisquer comparações com outro contexto e noutras circunstâncias nos primórdios do terceiro Reich também começaram as perseguições a minorias e se viravam grupos da sociedade contra outros, acusando-os de serem privilegiados ou qualquer outra coisa que se inventasse para conseguirem os desígnios pretendidos.
Isto não provoca angústia. Provoca náusea, provoca desespero, provoca indignação, provoca revolta…
De acordo com um poema de Soares dos Passos, poeta ultrarromântico do séc. XIX da corrente pessimista,
“Vai alta a lua! na mansão da morte…”, deste nosso Portugal.
“Um gesto, um acontecimento no pequeno mundo colorido dos homens sempre é apenas relativamente absurdo: em relação às circunstâncias que o acompanham. Os discursos de um louco, por exemplo, são absurdos em relação à situação em que este se encontra, mas não em relação ao seu delírio. Mas eu, ainda agora, tive a experiência do absoluto: o absoluto ou o absurdo."
in A Náusea de Jean Paul Sartre
Imagem: Nausea de silent-arsonist
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