Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Resolvi reler alguma da imprensa da passada semana e rever algumas das notícias dos canais de televisão sobre as audições pelo Presidente da República Cavaco Silva fez a personalidades, instituições, formações, sindicatos, economistas, eu sei lá, um corrupio sem fim para tomar uma posterior decisão sobre quem irá indigitar para formar um governo para o país.
Os "especialistas" em economia e finanças que acorreram ao Palácio de Belém eram senhores do pensamento único que Cavaco Silva queria ouvir.
Até um antigo ministro de José Sócrates decidiu ouvir. Um deles que, enquanto se manteve no Governo daquele ex-primeiro-ministro, não previu antecipadamente o que veio depois a acontecer e deixou que tudo chegasse até às últimas consequências, desculpando-se já no final com a resistência do então primeiro-ministro. Manteve-se no lugar até às consequências que ele poderia prever vindo depois a desculpabilizar-se e a tentar distanciar-se da insolvência que também ajudou a construir. Se tudo estava, há muito, a ser mal conduzido na política financeira com que não concordava então porque não pediu ele a demissão e abandou o cargo em devido tempo.
Mas, voltando ao Presidente da República, à parte os partidos e os Secretários Gerais das centrais sindicais, de todos os outros que foram ouvidos Cavaco Silva sabia que lhe dariam as respostas que ele queria ouvir. É a tal visão de pensamento único a que, em "posts" anteriores, me tenho referido. Foi uma fila de personalidades, únicos detentores da verdade e circunscritos ao pensamento cavaquista, isto é, a uma espécie de "união nacional" e defensor dum "nacional-neoliberalismo" no falso pressuposto de que não há alternativa. Sou pela iniciativa privada que é o motor fundamental da economia mas sem os fundamentalismos do neoliberalismo que se quer impor a todo o custo e à custa de alguns.
Resta perguntar porque será que Cavaco Silva não convocou o Conselho de Estado onde poderia ouvir várias sensibilidades.
***
Apenas uma nota final para recordar a quem esteja esquecido que neoliberalismo é um sistema económico e ideológico que defende uma intervenção mínima do estado na economia, limitação do protecionismo, privatização de empresas estatais. apenas os ativos, ficando a maior parte das vezes os passivos na posse do Estado. O mercado autorregula-se com total liberdade. Argumentam a favor de quanto menor a participação do Estado na economia melhor para todos na via de um Bem-Estar Social para todos (?) ao mesmo tempo que elimina subsídios. Esse tipo de pensamento pode ser representado pela privatização de tudo, deixando à revelia o mercado num sistema do salve-se quem puder. Tivemos a experiência neoliberal de Thatcher nos anos 80 e, mais recentemente com George W. Bush nos EUA que abriu caminho para a crise financeira internacional com a falência do Lehman Brothers. Dizia ele então: "Eu acredito muito na livre iniciativa, por isso o meu instinto natural é se opor a intervenção do governo. Eu acredito que as empresas que tomam más decisões devem sair do mercado. Em circunstâncias normais, eu teria seguido esse curso. Mas estas não são circunstâncias normais" e confessava: O mercado não está funcionando corretamente. Houve uma perda generalizada de confiança, e grandes setores do sistema financeiro da América estão em risco."
O discurso tinha por objetivo de explicar aos americanos o porquê de o governo enterrar 700 mil milhões de dólares numa semana para socorrer bancos à beira da falência. Será que não podemos tirar ilações?
Ao longo do mandato do XVIII Governo Constitucional, o Presidente da República Cavaco Silva, agora confirmado pela sua última intervenção em que anunciou dar posse à coligação PSD+CDS revelou ser de um sectarismo feroz e um desprezo absoluto por mais de 18,46% dos eleitores portugueses (994.833). Para Cavaco Silva é como se não existissem, são marginais, devem até ser punidos. Este é um pensamento fascizante que há muito tinha deixado de existir mas que ele ressuscitou. Não está em causa, visto partido a partido, a maioria de votos obtidos nas eleições pela coligação de direita PSD+CDS com 38,34% (2.062.513 de eleitores). O PS obteve 32,38% (1.742.012 de eleitores). É legítimo entregar a formação do Governo a quem teve maios votos.
A pergunta que também se pode fazer é quantos eleitores não votaram na coligação de direita? A resposta é 2.736.845 de eleitores que, segundo a nossa organização parlamentar obteve no total de 121 deputados contra os 104 da coligação de direita.
Repito que, de qualquer forma, é legítima a entrega da formação de Governo pelo Presidente da República à coligação de direita PSD+CDS que foi a mais votada. Contudo, o nº 1 do Artigo 187º da Constituição da República, diz apenas que "O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.". Não afirma que tem que ser ao partido mais votado mesmo que em minoria parlamentar. De qualquer modo, a decisão do Presidente da República pode ser criticada, mas não se pode dizer que seja algo de anormal ou que viole a Constituição.
O que está em causa é a forma como passou dos limites ao justificar a sua decisão, emitido opiniões, emoções e estados de espírito que lhe vão na alma, amedrontando, ameaçando e propondo divisões no seio de partidos. Afinal, ele que dizia não ser político e estar acima dos partidos fomenta agora guerras partidárias. Mas que Presidente é este em que muitos portugueses votaram que os divide em vez de os unir, revelando sectarismo e instintos de pensamento de partido único?
O que não é normal e sujeito a críticas é o modo como justificou a sua opção porque se tratou de uma intervenção de exclusão e desclassificação em quem votou em partidos com os quais não simpatiza e que não foram apenas meia-dúzia de cidadãos que o fizeram.
Lança receios infundados, apresentando falsos argumentos que sabia não poriam em causa os pontos que apresentou como sendo de grande importância para a estabilidade governativa e posteriormente confirmado pela reação dos mercados e bolsas que não reagiram ao seu discurso pítico da desgraça. O que ele salientou nada tinha a ver com a estabilidade governativa, porque sabe bem que o Partido que geriu as negociações à esquerda é bem mais europeísta que o Presidente nunca sonhou ser. Criou polémicas mentirosas e absurdas sem apresentação de justificação objetiva. Falou para o espaço vazio como a sua própria cabeça.
O Presidente não tem que avaliar programas de governo, isso é da competência da Assembleia da República.
Cavaco Silva quis ser um institucional que cumpre tradições sem considerar a objetividade dos factos em prejuízo do país. Aliás, ao longo do seu triste mandato, revelou ser o apoiante incondicional dos partidos do Governo, refugiando-se em argumentos, ora internacionais, ora de patriotismo bacoco, ora, ainda, ameaçando em abstrato os perigos que adviriam se não fossem cumpridas os seus píticos e esclarecidos pontos de vista e estados de alma. Algo teme se a direita PSD+CDS (que pensamos o protege) sair do poder.
Muitos colocam viseiras com buracos estreitos e papagueiam argumentos que mostram (premeditadamente) desconhecer que somos uma democracia parlamentar e que isso deve ser também tomado em consideração. Face a um número de votos que expressem uma maioria representativa dos eleitores os partidos podem conjugar esforços de modo a apoiar, ao nível parlamentar, um governo que saia da conjugação de dois ou mais partidos representativos duma maioria que dê estabilidade governativa.
O medo racional, repito racional, que a queda do Governo apoiado pelo Presidente, e de que outros possam vir a abrir uma espécie de caixa onde se encontra escondido algo que o possa vier a comprometer e a afetar publicamente, a ele a outros seus protegidos.
As mentiras eleitoralistas da coligação de direita e de Passos Coelho como alertei em "posts" anteriores estão a ser desmascaradas. Começaram já a revelar-se ao deixarem cair uma das promessas a redução da sobretaxa do IRS que prometeram ser de 35%.
Os agarrados, que na gíria são os dependentes de algo, neste caso do poder, são os partidos da direita que estiveram no Governo e que tinham o sonho da perpetuação eterna cuja cobertura lhe era dada por um medroso sectário numa simbiose quase perfeita. Aliás ninguém se demitia ou era demitido apesar de escândalos que fora surgindo por aí, alguns que nunca mais se ouviram falar co o a investigação a Marco António Costa pelo DIAP do Porto por alegados crimes de tráfico de influências durante os mandatos na Câmara de Gaia.
O desespero é visível nos comentários dos seus apaniguados cujos argumentos chegam a ser ridículos esquecendo-se do que fizeram em 2011 quando se aliaram aos partidos que agora querem excluir para derrubar um Governo que também não tinha maioria. O que na altura era bom, agora, para esses neoliberais que se apossaram do PSD, com a conivência de Cavaco Silva deixou de o ser.
Constituição de maiorias parlamentares segundo Paulo Portas em 2011.
Para ver
A direita e os pregoeiros do regime conduzido pelos mesmos do costume, andam num estado de grande inquietação, porque sabem que têm que retroceder em algumas das medidas que tomaram e agem no sentido de agarrar a única boia de salvação que é o PS e, para isso, fazem à sua maneira a costumeira interpretação das palavras do Presidente da República.
Um dos pregoeiros que escreve opinião para o jornal Público é João Miguel Tavares, liberal por convicção, não sei se por interesse também, chegou ao ponto de dizer que os portugueses elegem um Presidente da República para bater o pé aos partidos e, "se necessário, fazer valer a sua vontade" no sentido de obrigar os partidos a entenderem-se. Obrigar, em democracia, significa contrariar ou pressionar o que foi decidido nas urnas olhando só para um dos lados. É oportuno perguntar, e se fosse o contrário?
Mas aquele pregoeiro vai ainda mais longe diz que não há problema nenhum em não se formar governo já Governo e refere o exemplo do Governo alemão que levou 86 dias "após o sufrágio". Meses atrás defendiam a rapidez da formação dos Governos que era muito lenta em Portugal de acordo com o que na altura diziam oa comentadores residentes nos canais de televisão.
Escrevia o jornal Público em 2011 "O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, recebe hoje à tarde o vencedor das eleições legislativas realizadas ontem, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho. Apesar de não o poder convidar formalmente - isso só acontecerá depois de publicados os resultados eleitorais e de ouvir os partidos -, o Presidente da República quer, com audiência de hoje a Passos Coelho, dar um sinal claro de que pretende que um novo Governo seja formado com rapidez".
De qualquer forma, o Presidente da República foge às responsabilidades; é como se dissesse arranjem-se... porque eu não tenho nada a ver com isso, e não dou posse a um Governo que ganhou as eleições, é minoritário e temos uma maioria de esquerda da Assembleia da República...
O argumento de que 13 Estados da União Europeia são Governos de coligação é um dos cavalos de batalha para atrair o Partido Socialista para o covil dos tubarões da direita neoliberal cujo objetivo é acabar de vez com as opções pela esquerda moderada do eleitorado e, assim, poderem dominar os povos.
Não foi para fazer coligações com esta direita, em nome de um patriotismo que serve apenas para justificar a manutenção dos privilégios conseguidos durante estes quatro anos que muitos portugueses votaram no Partido Socialista. A direita que governe sem colete de salvação porque foi para isso foi mandatada. Já quanto a consensos pontuais sobre algumas matérias o negócio pode ser outro.
Se o Partido Socialista se coliga com o PSD e o CDS-PP começará o seu início do fim à semelhança do que aconteceu na Europa, onde os partidos moderados de esquerda e a social-democracia se encontram no momento em posição minoritária e dependentes da direita. A direita neoliberal lançará mão de todas as estratégias ao seu dispor para que a social democracia e os socialismo seja "agarrados" para os enviar para o crematório da morte lenta.
Uma aliança à esquerda, leia-se PCP e BE, será na prática inviável devido ao radicalismo de posições sobre assuntos essenciais. Seria, a prazo, a fuga para a direita de algum eleitorado mais conservador do PS que evoca o descontentamento gerado pelo Governo neoliberal de Passos Coelho para votar no Partido Socialista.
O Presidente da República na sua intervenção de ontem continuou na sua linha de apoio descarada à coligação. É um Presidente cheio de dúvida e de receios que pretende esconder atrás duma capa de rigor e independência que não mostra. Utilizou por outras palavras as que a coligação utilizou durante a campanha eleitoral. Claro que, Cavaco Silva tem que dar posse ao governo que saiu da decisão do povo manifestado nas eleições. Sobre isso não deve haver quaisquer dúvidas e desvios por mais artificiosos que sejam.
Quando disse que "cabe aos partidos políticos encontrar um compromisso para um Governo consistente", não trouxe nada de novo. Limitou-se a lançar para o ar um lugar-comum numa situação eleitoral como esta. É evidente que poderia ter dito que caberia à coligação que ganhou as eleições encontrar um compromisso governativo, mas não, referiu-se aos partidos, excluindo alguns, como quem diz, vocês aí, que tiveram os votos arranjem-se que eu não tenho nada a ver com isso. E vocês, portugueses, que não deram aos partidos que eu apoio a maioria absoluta também são responsáveis.
Como determina o Artigo 187º, nºs 1 e 2 da Constituição da República o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
Ora, a intervenção de Cavaco Silva passou uma borracha por cima daquele artigo dizendo o que achava. O Presidente Cavaco limitou-se a exprimir "estado de alma" em vez dum "estado político" ao excluir à partida outros partidos que tiveram expressão eleitoral. Uma espécie de marginalização a esses partidos e um castigo aos portugueses que se atreveram a votar neles. Baseou-se em justificações ouvidas durante a campanha eleitoral mesmo antes de os ouvir. Como saberia se estariam ou não dispostos a negociar sem primeiramente os ouvir? Uma revanche antidemocrática sobre uma esquerda que representa mais de 994 mil portugueses.
Cavaco Silva, durante a sua desastrosa presidência mostrou mais uma vez, com os seus apelos aos consensos, ser um adepto fervoroso duma união de partidos, duma espécie de fantochada do tipo união nacional do passado.
Foi e continua a ser já no fim de mandato uma vergonha para os portugueses. Pelo menos da grande maioria.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.