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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
O facto de ser cordato com a maioria dos partidos e aceitar criticamente os seus pontos de vista não significa que não me oponha com firmeza quando resvalam para a irracionalidade e falta de senso que, por vezes, envolve alguns deles pressionados por ideologias militantes, herméticas e incompreensivelmente corporativas.
Antes de continuar esclareço desde já que não pertenço nem sou simpatizante do PCP, mas também não pertenço ao grupo dos irracionais, primários e viscerais anticomunistas. Sou, sobretudo, um crítico dos seus pontos de vista e da sua máquina sindical. Assim, para o PCP, serei “mais um” de direita que, embora lhes custe, não sou.
Os eventos culturais, musicais ou religiosos que envolvem multidões a que me vou referir não são os de uma centena de pessoas, mesmo que espaçadas entre si por mais ou menos metros, mas aos concertos, cerimónias e comemorações religiosas como a que teria sido as celebrações do 13 de maio em Fátima e as do NOS Alive ou o Paredes de Coura e Rock in Rio em Lisboa.
A deslocação a um evento como a Festa do “Avante” é também uma espécie de peregrinação à quinta da Atalaia, apenas que não é religiosa na aceção da palavra. A Festa do “Avante” organizada pelo PCP na quinta da Atalaia chamem-lhe o que quiserem, seja festival, feira, evento político, comício ou qualquer outro nome para o qual a imaginação daquele partido é prolífera é como os outros, a diferença está nos discursos político-partidários que se efetuam por lá.
Argumentos como o de querem calar-nos e de perdas de liberdades políticas e de reunião são demagógicas e fazem parte dos já tradicionais chavões do PCP como “Alguns queriam calar-nos. Mas não nos calamos. É um direito de que não abdicamos” disse o de Isabel camarinha líder da CGTP no último 1º de Maio ao condicionarem-se as comemorações por razões de segurança sanitária.
Para o PCP a comparação com outros eventos já cancelados não faz sentido porque não se resume a um simples festival de música, mas antes a uma “grande realização político-cultural” que não se pode colocar no mesmo saco de eventos já cancelados.
Chamar à Festa do “Avante” evento político “grande realização político-cultural” não é desajustado, porque é de facto um evento político e é, especificamente, partidário, mas lá também se misturam cultura, música, dança, comércio de feira, convívio, copos, petiscadas, etc. colocados no mesmo saco. Mesmo que fosse exclusivamente um evento político e partidário, à semelhança de outros partidos que já os cancelaram, não haverá razão para que a dita festa se realize sob que pretexto ou configuração for.
A Festa do Avante é um local onde se juntam milhares e milhares de pessoas de todas as idades e estratos socioprofissionais que por mais cuidados existam é grande a probabilidade de contaminação. O PCP coloca o partido acima de tudo, do a quem doer, castigue a quem castigar, das pessoas, da pandemia, da religião, do Estado e até da própria democracia que diz defender ao extremo.
Na quinta-feira a Proposta de Lei do Ministério da Cultura sobre festivais e outros espetáculos musicais vai ser votada na Assembleia da República.
Não é admissível que se abra uma possível exceção à lei em relação à Festa do "Avante". Se assim for também se poderá estender a muitos outros eventos, sobretudo de teor "não comercial". O argumento de “não comercial” do evento do PCP não é verdadeiro porque é também comercial pois se comercializam objetos, livros, bebidas e outras variedades alimentares, embora revertam para subsidiar o partido. E o preço das entradas também não é comercial?
É insensato avançar com a Festas do “Avante” no atual contexto da pandemia Covid-19 e o Governo, ao pretender negociar a realização do evento em troca da paz social ou de futuros orçamentos, mostra insegurança e arrisca-se a perder a popularidade que tem conseguido.
Um partido, seja ele qual for, não pode colocar-se acima de tudo e de todos, inclusive a de ameaçar a saúde dos cidadãos.
Tenho profundo respeito por quem professa uma religião e tem fé, seja la com base cristã ou não, quando a mesma assenta numa base sincera da sua crença e contribua para a formação de valores espirituais e sociais do Homem. Nada tenho contra quem, de forma ativa e militante, a vive e a pratica.
Em campo diferente mas de certo modo semelhante, situo os apoiantes e admiradores do desporto, nomeadamente do futebol, que, não fazendo parte do domínio da fé como a religião, é vivido pelos adeptos quando se mobilizam para apoiar os seus clubes sem que disso lhes advenha qualquer prejuízo ou vantagem a não ser o prazer de uma vitória ou o desgosto de uma derrota.
As multidões que se movimentam naqueles dois campos são imensas. Veja-se o caso de Fátima nas datas mais comemorativas das aparições para onde se deslocam, em peregrinação ou não, pessoas das mais diversas classe e estratos sociais procurando algo milagroso que cure os seus males espirituais e ou materiais. Numa atitude meramente de fé procuram algo que circunstâncias pessoais fizeram perder, ou a sociedade não lhes concedeu ou retirou, sem qualquer certeza de que, esse algo, venha a ser obtido ou concedido, julgando previamente que o que procuram não está nas mãos do Homem nem da sociedade, mas apenas numa crença que ultrapassa o domínio da razão.
Em contraponto, quando se trata da necessidade de adesão em massa para atos concretos que não sejam meramente de fé, cujo objetivo é reivindicar ou opor-se a algo que contribua para modificar uma realidade social vivida no domínio do concreto, mesmo que cada um se sinta prejudicado em particular, a capacidade de mobilização é menor. Num contexto social, a consciência político-partidária e grupal sobrepõe-se racionalmente, equacionando em cada um temores, incertezas, desconfianças, que condicionam uma participação que poderia contribuir, sem ser somente no domínio da fé, para modificar as suas vidas. A adesão a expressões públicas e coletivas de um sentimento, de um desagrado ou de uma opinião está muita aquém daquelas que são expressas no domínio da fé, do abstrato e do incerto.
Porque será que, no domínio do real e o concreto, a fé de muitas pessoas na sua própria voz deixa de existir?
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