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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Uma democracia não é um regime de acordos é conseguir conviver em condições de profundo desacordo, mas os desacordos por vezes são mais conservadores do que os acordos daí que a posição do BE seja estranha.
O orçamento para 2021 foi aprovado apenas pela maioria relativa do Partido Socialista já que os partidos PSD, Chega, Iniciativa Liberal e o Bloco de Esquerda votaram contra e a abstenção de duas deputadas não elegíveis e do PCP. Quanto a isto nada de novo, todos já sabemos.
Levanta-se aqui a questão dos consensos em democracia tão necessários nesta fase que atravessamos devido à covid-19, mas que falharam porque alguns olham para a sua capelinha para obtenção de ganhos, leia-se votos.
Quando há maioria absoluta quem decide é apenas um partido, com uma maioria relativa todos os partidos têm voz, mas é uma estrutura frágil daqui a importância de negociações e de consensos.
O que aconteceu com o orçamento para 2021 foi um autêntico conluio não formalizado entre os vários partidos para conseguirem, como num leilão, as melhores vantagens dum eleitorado neste momento mais preocupado com a pandemia do que com as birrinhas partidárias.
Fazer política em tempos normais não é o mesmo nos tempos em que se exigem consensos mínimos quando tem de se enfrentar uma crise pandémica profunda, complexa e com consequências difíceis de antecipar.
Os tempos são muito exigentes e de respostas várias e variadas quando não se pode chegar nem dar respostas simultâneas com a mesma intensidade orçamental. Os tempos recomendam diálogo e capacidade para se fazerem concessões e não de entrar em guerrilhas e discordâncias movidas com o intuito de mostrar presença e força ao seu eleitorado.
Antes da aprovação do OE21 e de acordo com uma sondagem recente, da Aximage para o JN e para a TSF, 60% dos portugueses eram da opinião que o PCP e o Bloco de Esquerda deveriam viabilizar o Orçamento do Estado para 2021. Entre os eleitores do BE 68% pensam o mesmo e apenas 15% defenderam o chumbo e 20% não têm ou não quiseram dar opinião bem como 61% dos comunistas e 67% dos inquiridos rejeitam uma demissão do Governo. Isto poderá vir a ter no futuro custos eleitorais para o BE.
Há incapacidade de aceitar, sobretudo para o BE, que não existe apenas uma verdade e uma forma de fazer as coisas. Este é o momento para aliviar a crispação e a tensão num contexto em que as pessoas exigem que os políticos se ponham de acordo para darem resposta aos seus problemas cujas propostas não podem ser de tal modo inexequíveis que possam vir a transformar um doente num morto.
Apesar de se ouvir dizer muitas vezes nos meios mais populares que os partidos não se entendem é preciso dizer que uma democracia não é um regime de acordos é conseguir conviver em condições de profundo desacordo. Devemos também dizer que os desacordos por vezes são mais conservadores do que os acordos daí que no que se refere ao orçamento já aprovado a posição do BE foi estranha. Ser fiel aos próprios princípios é notável, mas ao defendê-los sem flexibilidade condena-se à estagnação.
Os desacordos têm um prestígio relativo e exagerado. Radicalizar as posições é o procedimento a que mais se recorre para dar nas vistas, é um combate pela atenção, pela visibilidade, é um recurso que é muito caro aos populistas, sobretudo os da extrema-direita. Veja-se quem está sempre em descordo com tudo no nosso Parlamento com a justificação de não pertencer ao sistema, mas faz os possíveis para fazer parte dele concorrendo por lugares que dele são parte integrante.
Numa ocasião como esta que atravessamos estar contra é uma prática menos imaginativa do que chegar a um acordo. A discordância no caso do BE pareceu ser dirigida a um público por quem compete ao nível eleitoral e por ser a ocasião para falar apenas para eles e não para o seu interlocutor que é o Governo e para o bem do país.
Os partidos mais radicais vivem da controvérsia e do desacordo porque dessa forma obtêm a atenção da opinião pública e publicada e também para o interior do próprio grupo, que premeia intransigências, a vitimização e a firmeza.
Parece que a dificuldade de chegar a um acordo proveio do facto de que qualquer acordo implica cedências e em algumas circunstâncias exige também o sacrifício de algum tipo de princípio e requer que se compreenda que existe uma grande diferença entre conseguir uma aspiração e decidir entre alternativas possíveis o que em política qualquer delas não está isenta de inconvenientes.
Nem sempre é possível fazermos tudo aquilo a que nos propusemos quer ao nível pessoal ou coletivo do que está em primeiro lugar da listas das nossas prioridades e as circunstâncias obrigam a que nos tenhamos de contentar com menos e até por vezes com muito menos, mas o espírito de fação que é intrínseco nos partidos mais radicais termina em polarização e tanto mais quanto há eleições a aproximarem-se convertendo a política numa campanha permanente.
O debate político entre o BE e o Governo, na primeira fase de aprovação do orçamento, fechou a porta ao consenso devido aos sonhadores populistas da extrema-esquerda que parecem desconhecer que a política é levada a cabo numa enorme quantidade de condicionantes que acham devem levantar voo sem quaisquer limitações.
O OE21 tendo sido aprovado na generalidade com algumas alterações devidas a negociações e consensos terá a seguir a discussão na especialidade que se prevê seja algo surrealista. Se não houver consensos à esquerda que tenham uma visão racional para o país em lugar de visões umbilicais partidárias as propostas e a miscelânea de pedidos de alteração vindas dos partidos serão tantas e tais que o orçamento final será uma amálgama impossível de gerir que nos pode levar novamente ao caos político e financeiro. Se assim for não apontem depois o dedo à direita e à extrema-direita. Os únicos culpados serão os parceiros de negociação que desertarem e que não se livrarão do cadafalso eleitoral.
Quantos dias vão demorar esta fantochada e a instabilidade política e interregno governativo, provocados pelo Presidente da República que, ao demitir-se das suas funções, ao lançar para os partidos a procura de alternativas para governo estável, quando as eleições foram bastantes claras? Só tinha que ouvir os partidos e indigitar quem ganhou as eleições. Os acordos parlamentares viriam depois com a capacidade negociadora já comprovada de António Costa.
O discurso do medo, da catástrofe, da instabilidade política, da estabilidade governativa, do que pode acontecer se…, funcionou no tempo da ditadura e enraizou-se de tal forma na cultura dos portugueses que hoje em dia ainda persiste, pelo menos nos que votaram conservador. A direita da coligação PSD-CDS sabia disso, utilizou a estratégia durante a campanha eleitoral para ganhar e continua a utilizá-la agora, reforçado pelo Presidente da República que, para não se comprometer, lançou no país a confusão total.
Quando Salazar tomou o poder falava em pacto de consenso de governo nacional afirmando que não defendia nenhum sistema político e, menos ainda, a democracia, pelo efeito nefasto porque tinha o jogo de interesses privados e ideologias rígidas que orientavam os partidos políticos, pelo que atalhou caminho para um governo estável da nação proibindo estes e ainda a liberdade de imprensa, em nome do que considerava ser a paz social.
Ao ocupar o poder num tempo de instabilidade política Salazar conseguiu impor as suas ideias ajudado pela reputação que granjeou ao resolver a crise financeira, criando um pacto de consenso de governo nacional.
Ao escrever chega-me à memória a parecença com intervenções de Cavaco Silva que disse um dia não ser político mas que, na atualidade, tem ideias muito parecidas.
Os grupos de palavras sublinhados são os que foram utilizados pela coligação PSD-CDS durante a campanha eleitoral e sempre recordados pelo Presidente da República que disse em tempo não ser um político, mas nunca assumiu que a sua pureza política esteve associada a nomes menos claros criados pelo cavaquismo. "No seu tempo o BPN era legal e Dias Loureiro e Oliveira Costa eram "pessoas honradas" segundo o Banco de Portugal e foi preciso que rebentasse a crise financeira mundial para que o escândalo viesse a público no meio de tantas fraudes e logros financeiros. Coincidência?"
O discurso do medo, da insegurança, do que poderá acontecer, se nada for feito de acordo com a direita, tem levado uma parte da população a assumir-se como pessoas a que lhes podem retirar tudo o que têm, incluindo direitos sociais, desde que haja estabilidade política. Salazar assim gravou nas suas mentes.
A direita e os pregoeiros do regime conduzido pelos mesmos do costume, andam num estado de grande inquietação, porque sabem que têm que retroceder em algumas das medidas que tomaram e agem no sentido de agarrar a única boia de salvação que é o PS e, para isso, fazem à sua maneira a costumeira interpretação das palavras do Presidente da República.
Um dos pregoeiros que escreve opinião para o jornal Público é João Miguel Tavares, liberal por convicção, não sei se por interesse também, chegou ao ponto de dizer que os portugueses elegem um Presidente da República para bater o pé aos partidos e, "se necessário, fazer valer a sua vontade" no sentido de obrigar os partidos a entenderem-se. Obrigar, em democracia, significa contrariar ou pressionar o que foi decidido nas urnas olhando só para um dos lados. É oportuno perguntar, e se fosse o contrário?
Mas aquele pregoeiro vai ainda mais longe diz que não há problema nenhum em não se formar governo já Governo e refere o exemplo do Governo alemão que levou 86 dias "após o sufrágio". Meses atrás defendiam a rapidez da formação dos Governos que era muito lenta em Portugal de acordo com o que na altura diziam oa comentadores residentes nos canais de televisão.
Escrevia o jornal Público em 2011 "O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, recebe hoje à tarde o vencedor das eleições legislativas realizadas ontem, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho. Apesar de não o poder convidar formalmente - isso só acontecerá depois de publicados os resultados eleitorais e de ouvir os partidos -, o Presidente da República quer, com audiência de hoje a Passos Coelho, dar um sinal claro de que pretende que um novo Governo seja formado com rapidez".
De qualquer forma, o Presidente da República foge às responsabilidades; é como se dissesse arranjem-se... porque eu não tenho nada a ver com isso, e não dou posse a um Governo que ganhou as eleições, é minoritário e temos uma maioria de esquerda da Assembleia da República...
O argumento de que 13 Estados da União Europeia são Governos de coligação é um dos cavalos de batalha para atrair o Partido Socialista para o covil dos tubarões da direita neoliberal cujo objetivo é acabar de vez com as opções pela esquerda moderada do eleitorado e, assim, poderem dominar os povos.
Não foi para fazer coligações com esta direita, em nome de um patriotismo que serve apenas para justificar a manutenção dos privilégios conseguidos durante estes quatro anos que muitos portugueses votaram no Partido Socialista. A direita que governe sem colete de salvação porque foi para isso foi mandatada. Já quanto a consensos pontuais sobre algumas matérias o negócio pode ser outro.
Se o Partido Socialista se coliga com o PSD e o CDS-PP começará o seu início do fim à semelhança do que aconteceu na Europa, onde os partidos moderados de esquerda e a social-democracia se encontram no momento em posição minoritária e dependentes da direita. A direita neoliberal lançará mão de todas as estratégias ao seu dispor para que a social democracia e os socialismo seja "agarrados" para os enviar para o crematório da morte lenta.
Uma aliança à esquerda, leia-se PCP e BE, será na prática inviável devido ao radicalismo de posições sobre assuntos essenciais. Seria, a prazo, a fuga para a direita de algum eleitorado mais conservador do PS que evoca o descontentamento gerado pelo Governo neoliberal de Passos Coelho para votar no Partido Socialista.
A palavra mais ouvida nas últimas semanas é consenso. Consenso é um consentimento, uma anuência. Para que haja uma anuência é necessário que existam pelo menos duas partes que se ponham de acordo sobre alguma coisa.
O pedido de consenso vindo primeiro dos partidos do governo e agora do Presidente da República é um logro e um ardil, palavra que também é sinónimo de embuste.
Argumentam comentadores e jornalistas propagandistas do governo que, na Europa, os consensos entre partidos são comuns como se verifica em alguns países, nomeadamente na Alemanha, onde existe uma coligação de governo entre a CDU (União Democrata Cristã), CSU (União Social Cristã da Baviera) e SPD (Partido Social Democrata) todos partido de direita exceto o SPD que é filiado na Internacional Socialista.
Destes argumentos pode aduzir-se que, se na Europa se estabelecem consensos entre partidos, em Portugal o mesmo deveria ser feito. Estes iluminados senhores parecem esquecer os contextos sociais, económicos e os enquadramentos políticos, dos diferentes países.
Os argumentos são fracos e apenas se justificam porque há uma situação de emergência do governo para envolver o Partido Socialista no buraco em que transformou o país, necessitando, por isso, de um companheiro que vá com eles ao fundo.
A história da política europeia dos últimos cinquenta anos mostra-nos alguns exemplo entre os quais o do PCI (Partido Comunista Italiano) que anos setenta, com mais de 20% de votação, se consensualizou com o Partido da Democracia Cristã em nome de um "Compromisso histórico" que o conduziu na prática a transformar-se num partido residual.
Pretende-se agora uma espécie de "compromisso histórico" ou de salvação nacional como alguns saudosos do passado chamam a um consenso cujo objetivo, dizem, é encontrar uma saída para situações difíceis e complexas que se aproximam. Claro que ao falarem em abstrato estão a referir-se, nomeadamente, a mais cortes a que o Governo chama reforma do Estado ao que se acrescenta a tal saída da "troica" que não será mais do que meramente virtual.
Os pressupostos para o insistente pedido ao Partido Socialista para consenso são evidentes. Apesar de existir uma maioria parlamentar confortável, os partidos do governo sabem que não será possível, respeitando a Constituição, governar e transformar um país cultural, política e socialmente complexo que foi por eles próprios fraturado. Assim, precisam de dispor de uma força suficiente para gerir e implementar as reformas neoliberais profundas, mantendo os extensos interesses financeiro e económicos e hábitos enraizados, num período de tempo suficientemente longo para se obterem efeitos desejados. Ora, numa previsão ou antecipação de uma possível crise (perda de eleições, por exemplo) há a necessidade de chamar a participação de outros, formando um consenso maioritário heterogéneo que legitime a força do governo.
O que pretendem com o consenso é uma opção estratégica de conveniência para atapetar a tomada de decisões difíceis que o Governo tem na forja, arrastando o seu opositor para o mesmo rumo de políticas seguidas o que é, no todo, uma armadilha.
Consenso político alargado como o que se pretende num país como Portugal, onde se procede ao empobrecimento institucionalizado, à diminuição da qualidade de vida e ao reduzir à sua expressão mais simples o Estado Social transformará a democracia parlamentar num pró-forma. O tipo de consensos que se pretende é viável em países ricos da UE e estabilizados financeiramente, onde se trocam consensos por pastas governamentais.
A liberdade de escolha dos cidadãos passa a ser meramente formal porque deixaria de haver alternativas. Isto é, torna-se indiferente votar em projetos políticos porque perante a existência dum projeto comum formalizado é indiferente a opção tomada pelos eleitores, podendo conduzir, a prazo, numa progressiva redução de representatividade do Partido Socialista. Ou, como já disse Pacheco Pereira, "vote-se em quem votar, ou mesmo não votando, nada muda". Esta passaria a ser uma atitude que conduziria ao enfraquecimento da democracia e a uma espécie de "democracia consensual de partido único" que governaria para sempre fosse qual fosse o resultado das eleições. Uma forma de colocar a direita sempre no poder como se pretende ver pelos apelos ao consenso vindos das direitas europeias.
Pretende-se um consenso para o empobrecimento contínuo dos portugueses durante os próximos anos, a que chamam ajustamento, como se pode inferir das declarações de Poul Thomsen, vice-presidente do departamento europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Pela insistência do consenso pode dizer-se que não há fumo sem fogo.
As pressões para um consenso entre os partidos da coligação e o PS continuam, desta vez pelo ministro sombra do governo que é o Presidente Cavaco. O estranho é Cavaco Silva afirmar e tentar mostrar (ver TVI), a partir do seu prefácio do livro Roteiros VIII, que um consenso possibilitaria a baixa dos juros e, ao mesmo tempo, quanto perdem os portugueses em termos de emprego, quanto perdem em termos de salários, quanto perdem em termos de prestações sociais e quanto perdem em termos de justiça de distribuição de rendimentos sem clarificar como é que um consenso evitaria aquelas perdas. Parece-me ser mais uma manipulação e um condicionamento dos portugueses.
Cavaco Silva coloca-se agora com um observador não participante como se ele não tivesse sido um fator determinante para a situação a que chegámos.
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