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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Todos os professores, sejam do ensino público, sejam do privado, merecem o melhor respeito. Trabalham em condições de pressão psicológica impercetível à maioria das pessoas. Nos que trabalham nos colégios privados as pressões são acrescidas, não apenas pelas inerentes à sua profissão mas, também, pelas que as direções exercem obrigando-os a esforços suplementares e a submissão de vontades levando-os a tomar atitudes por vezes contrárias aos seus próprios princípios éticos e pedagógicos. Não pretendo com isto generalizar porque as generalizações e as extensões arbitrárias de valores são sempre arriscadas. Contudo, esta reflexão, conduziu-me a um regresso ao passado recorrendo à memória dum caso verídico e paradigmático de pressão exercida sobre professores.
Nos longínquos anos setenta, na chamada linha do Estoril, existia um colégio de meninas, onde as professoras eram consecutivamente desautorizadas. Um dia, uma jovem licenciada a que vou chamar M., foi admitida como professora para substituir uma outra que, temporariamente, se encontrava ausente por certo motivo.
O colégio era frequentado por meninas da sociedade mas, para que nada desse nas vistas admitiam também outras, muito poucas, de condição social baixa.
A diretora, que vou passar a designar pelo nome de L., era uma ex-professora do então chamado ensino primário, já com alguma idade, empedernida, submissa ao antigo regime de Salazar cuja continuidade de Marcelo Caetano acalentou mas com algum desânimo.
Coisa não rara na altura, a diretora mandava as empregadas a que chamava contínuas, nome porque eram conhecidas, escutar às portas das aulas para saber se, o que as professoras diziam nas aulas não saía fora dos cânones estabelecidos e, assim, travar qualquer resquício que, segundo ela, pudesse ser ensinado de forma subversiva.
Certo dia, na altura da saída das notas L. mandou chamar a professora M., a que, frente às outras professoras temerosas e submissas, com intuito humilhante, chamava de rapariguinha.
Chegada ao gabinete M. perguntou o que se passava. L., com semblante carregado e ameaçador inquiriu M. sobre a nota que tinha atribuído a C., uma menina de boas famílias, como ela dizia, nota com que não concordava e que, por isso, tinha que a subir. A menina tinha tido nove. Nove mal merecido, diga-se, porque, mesmo assim, tinha sido puxado para cima.
M., perplexa, justificou a razão de tal nota e recusou subi-la. Todavia, havia uma aluna, por entre as mais pobrezinhas, admitidas para mostrar que não havia segregação social, e a quem também tinha sido dada uma nota negativa e quem a professora M. propôs, nesse caso, fosse também levantada porque ambas se encntravam no mesmo patamar em termos de avaliação. Não valia a pena aumentar a nota a essa porque não merecia e que a essa não fazia difere disse a diretora. O diálogo com a diretora terminou aqui e a professora recusou-se a subir a nota.
Passados poucos dias, após a publicação das pautas, a professora M. deu-se ao trabalho de ir ver as notas da sua turma. Qual não foi o seu espanto quando viu que a menina C. apresentava na pauta a nota onze na sua disciplina. Nesse mesmo instante dirigiu-se à secretaria da escola. Lá chegada, perguntou se não teria havido engano na passagem da nota da aluna C. para a pauta. Muitas reticências, desconhecimento mal disfarçado, dúvidas, meias palavras esclarecedoras. Afinal, a diretora tinha dando ordem na secretaria para alterar a nota à menina C.
Moral da história? Cada qual tire a que quiser…
O que se passará hoje em dia em muitos colégios privados com ou sem com contratos de associação que se auto vangloriam duma dita qualidade? Não sei. Não quero fazer juízos de intenção.
A comunidade clerical da igreja católica quando as coisas não lhe correm de feição intromete-se diretamente na política. Neste registo, o cardeal patriarca e os bispos resolveram interferir apoiando a manifestação organizada pela minoria de colégios privados que, segundo a lei, vão perder contratos de associação deixando assim de “sacar” o dinheiro dos contribuintes para manter privilégios de alguns alunos.
Acreditando nos números de pessoas que foram divulgados e estiveram envolvidas na manifestação até parece que todos os colégios participaram. Pensando melhor, e sabendo que há milhares de colégios privados espalhados pelo país, uma minoria tinha contratos de associação e que uns poucos deixaram de o ter pergunta-se donde vieram tantos milhares para o dito protesto sob a proteção dos bispos? A resposta é simples: as maiorias dos “protestantes” que foram mobilizados nada tiveram a ver com as escolas porque, se assim fosse, as ditas escolas privilegiadas que perderam contratos de associação resumiam-se apenas a algumas centenas contando com professores, pais e alunos. Podemos até imaginar as homilias mobilizadoras que, terão sido feitas propagandeando e mobilizando esta operação de ilusionismo. Muitos terão sido recrutados em algumas juventudes partidárias de direita.
A igreja católica é a comunidade dos fiéis da religião católica e os clérigos também a integram, mas estes zelam mais pelo interesse dos seu grupo do que pelo da comunidade, rebanho que dizem apascentar.
Durante o Governo anterior, perante o desastre social que provocou, não vimos a mesma veemência por parte dos clérigos, nomeadamente dos bispos. Antes pelo contrário. Perante os factos deitavam “água na fervura”. Zelam mais pelos interesses que lhes possa trazer, e aos seus satélites laicos, alguns benefícios financeiros às custas da caridadezinha que a tantos estimula o ego.
Não, não sou antirreligioso, nem anticatólico, porque sou um deles, sou antes contra uma mentalidade clerical egocêntrica, egoísta, hipócrita, interesseira da hierarquia da igreja que olha apenas para si e disfarça estes adjetivos com uma falsa caridade e interesse pelo próximo.
Apesar de tudo devemos reconhecer que a igreja católica, enquanto comunidade religiosa, tem prestado contributos em apoios socialmente importantes. Mas num rebanho há sempre ovelhas ranhosas.
Vivemos numa democracia onde o direito à greve, ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação e associação estão garantidos na Constituição da República. E é aqui que nos confrontamos com a hipocrisia de direita que se torna evidente quando não está no poder.
Durante o anterior Governo que trucidava a eito as populações, manifestações, contestações e greves eram letra morta (exceção o caso da TSU). Para Passos Coelho as greves e manifestações eram publicamente criticadas como sendo prejudiciais ao país e à economia e classificavam-nas como sendo meras manipulações do PCP, através da CGTP.
Sem pôr em causa os problemas que algumas greves geravam vejam-se no entanto alguns casos de comentários vindos da direita:
14/DEZ/2014
O eurodeputado Nuno Melo criticava o “timing” das greves na TAP, por “não achar normal que num momento difícil em que Portugal atravessa, a precisar tanto de receitas, com 120 mil reservas de voos e com tantos portugueses que precisam de deslocar-se, o caso dos emigrantes e dos cidadãos dos Açores e da Madeira, se decidam tais greves”.
18/DEZ/2015
No jantar de Natal do CDS, o líder centrista Paulo Portas acusava do Governo PS de fazer demasiadas concessões aos sindicatos.
30/ABR/2015
Passos Coelho fazia último apelo e critica."Greve dos pilotos é exercício pouco digno e pedagógico"
06/JUN/2013
O Presidente da República (Cavaco Silva) criticava a greve que os professores se preparavam para encetar, afirmando que “os estudantes não podem ser meios para atingir fins”.
MAIO/2016
Vemos colégios privados a manipular estudantes como meio para atingir os fins, isto é, fazem aquilo que Cavaco criticava e que hoje a direita não critica.
Ontem, 23 DE MAIO DE 2016, Passos Coelho criticou a greve dos estivadores e acusava o Governo de nada fazer. A sua memória é muito curta porque esqueceu-se que, no porto de Lisboa, andam em luta e greves há quatro anos, ainda ele era primeiro-ministro. Agora reclama que se faça aquilo que ele, na altura, não fez. Mais hipocrisia do que isto só por encomenda.
Há polémicas em que há uma inter-incomprensão com regras, isto é, quando o discurso de um distorce o discurso do outro. Se António Costa, em vez de governar, não quiser passar o tempo a sustentar diálogos mas que, embora politicamente corretos, a partir de certo momento passam a “ser de surdos”, o melhor, na minha opinião, é considerar que o ótimo é inimigo do bom e fazer como Passos Coelho quando esteve no poder: seguir sempre o seu caminho “passando por cima” de contestações e greves e fechar a porta ao diálogo. Problemas com ministros e secretários de estado do anterior Governo foram mais do que muitos. Demitiram-se? Não! Foram demitidos? Não!
Quando o que se passa com pais, professores e alunos de alguns dos colégios privados que reclamam o "dízimo" do Estado são manipulados por clérigos da igreja católica e outros, que tentam mostrar a pretensão dum diálogo que conduza a um financiamento ad eternum, coisa com que o Estado nunca se comprometeu, isso, não é mais do que um simulacro que se transforma numa inter-incompreensão que parte da compreensão unilateral, (a deles), e não da posição dos enunciados legais do discurso do outro, o melhor é fechar a porta e ponto final.
Atualmente a direita não estando no poder e esquecendo-se do que retirou a uns para transferir para outros concorda agora com um Estado despesista e vai ainda mais longe utilizando a militância de alguns dos seus órgãos pró-extremistas e radicais que vivem no passado para tecer argumentos disparatados utilizando a ofensa soez e argumentos falaciosos, à falta de outros cujas cabeças não conseguem discernir de tão enquistadas que estão. São os interesses de alguns, poucos, em prejuízo da maioria.
Posso não concordar com o ministro da educação em muitas coisas, mas com o que se passa nesta matéria é certo que concordo, e não me venham com a conversa de sindicatos para aqui e para ali, e das esquerdas radicais para acolá!
Os contratos de associação é um filão político que a direita e sobretudo o PSD pretendem aproveitar para fazer oposição ao Governo. Como a maior parte dos colégios com quem o Estado tem contratos de associação e que se encontram em sobreposição com o público são pertença, no todo, ou em parte, da igreja católica. A direita PSD tenta assim explorar a religiosidade que grande parte da população abraça para creditar pontos partidários em seu favor.
Passos Coelho, durante o seu Governo, destinou quinze milhões de euros para aqueles colégios privados que retirou a setores tais como a assistência escolar e nos subsídios da educação especial com a justificação de haver abusos e com a “necessidade de fazer correções”. É bom que se recupere a memória e quem não esteve atento reveja a imprensa de então.
No nosso país a igreja católica tem ainda um poder quase medievo ao nível de influência nas populações, sobretudo no norte onde de esses colégios proliferam, e é ainda que bate o ponto. Não é por acaso que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa apela a um consenso neste domínio e afasta ideias de que há uma potencial guerra religiosa e ideológica. E de facto não há. É uma questão política e é nela que o Governo tem que navegar. Mas não é aqui que a direita PSD quer levar o debate. Prefere fazer parecer uma questão religiosa. Isto é, um “combate” religioso-ideológico.
É por demais evidente que, quem mais se aproveita destes contratos de associação são as famílias de maior potencial financeiro. É também evidente que para uma família com capacidade financeira confortável pagar a um colégio privado centenas de euros mensais para lá ter os seus filhos ou educandos não será muito agradável.
Ontem no seu comentário semanal na TVI24 Manuela Ferreira Leite, sobre os contratos de associação confundiu tudo, baralhou-se, contradiz-se e no meio das questões que lhe iam sendo colocadas mostrou que era a favor da manutenção destes contratos, mas lá foi dizendo que são colégios elitistas ao ponto de selecionarem alunos pelo seu “nome”.
Claro que famílias de menos posses que têm os seus educandos nestas escolas, apesar de haver escolas públicas na mesma área, também estão contra a eliminação destes contratos é pois uma questão de estatuto e não de qualidade.
Vivemos numa economia liberal de competição entre empresas, os colégios privados são empresas que prestam um serviço que é a educação, logo terão que estar e competir com o mercado nesta área. Quem tem posses paga, quem não tem, será o Estado, a sociedade, todos nós, que devemos ser o garante da gratuitidade do ensino para toda a população em situação de escolaridade obrigatória, quer tenha ou não posses. Há, assim, plena liberdade de escolha na educação como em tudo. A sociedade que temos é esta, alguns terão pena que seja assim, mas é a que temos, e ainda bem.
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