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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
No “post” anterior efetuei uma analogia entre o romance “A Náusea” de Jean Paul Sartre e a náusea que o governo de Passos Coelho provoca na maioria dos portugueses. Hoje vou abordar, no contexto da mesma analogia, outros aspetos mas específicos que provocam mais náusea do que angústia.
De acordo com o Jornal Público o primeiro-ministro afirmou no dia 13 de maio em Paris que o novo pacote de austeridade não se aplica e passo a citar “à generalidade das pessoas” e que “não têm consequências diretas para os cidadãos”. Não ficando por aqui continua e insiste, ao anunciar a dispensa de funcionários públicos e a contribuição especial sobre as pensões, que “não têm consequências diretas para os cidadãos”.
Qual é o objetivo daquelas afirmações a não ser o de dividir os portugueses para melhor conseguir os seus intentos que são o de destruir a economia, ao mesmo tempo que tem uma mão cheia de nada para a dinamizar. Talvez seja inspiração do ministro das finanças alemão que, como ele, desconhece por completo a cultura e a organização social de Portugal mas que elogia, sem hesitação, medidas que vão contribuindo cada vez mais para a nossa dependência e o descalabro económico e social.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Analisando as afirmações de Passos Coelho não é difícil concluir que, para ele, os tais setores da sociedade que refere não fazer parte da generalidade das pessoas, passam de imediato a meros elementos de uma minoria, estigmatizando-os. É a evidência da verbalização de uma forma de pensar acamada numa ideologia simplista para quem o social é desprezável.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Não nos digam que foi um lapso e que é um problema de comunicação, como alguns comentadores da propaganda do Governo pretendem fazer crer. O objetivo, por detrás daquelas afirmações, evidencia a miniaturização do Estado Social, fazer descer os salários, enclausurar o consumo das famílias, cortar na despesa pública sem critério, como se um país fosse governado por uma doméstica (com todo o respeito pelas domésticas) onde o corte na despesa não tem consequências sociais nem para terceiros.
Mas se as medidas se destinam, por agora, apenas aos tais cidadãos que “não fazem parte da generalidade das pessoas”, por experiência e pela história da evolução económica em Portugal nos últimos anos, a tendência será para que os que fazem parte da generalidade das pessoas sejam forçados a alinhar por contágio com a redução salarial e de direitos que, há muito, é ambicionada pelos proprietários e gestores de empresas dos vários setores de atividade.
Isto provocará angústia e náusea.
Passos Coelho ao compartimentar a sociedade não terá que combater tudo e todos ao mesmo tempo. Assim, a estratégia maquiavélica é a de dividir a população em minorias setoriais, culpabilizando-as sucessivamente e desconsiderando o facto de que, enquanto minorias, têm os mesmo direitos das maiorias porque são Homens e Mulheres, independentemente do seu enquadramento social e profissional. Para o primeiro-ministro o facto de um conjunto de sujeitos serem minorias por si só dispensa a necessidade de qualquer justificação. Formas de pensamento idênticas, na Europa do passado, deram lugar a várias perseguições.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Em vez de se limitar a explicar as medidas de austeridade e a dizer, eventualmente, que não serão demasiado violentas ou contrárias à equidade, limitou-se a dizer que não se aplicam à generalidade das pessoas.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Aponta minorias mencionando supostas benesses para provocar o ressentimento e inveja contra essas minorias. Recordo-me da estratégia contra os judeus no contexto político nazi.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Arranja sucessivamente bodes expiatórios desde a Constituição da República até ao Tribunal Constitucional passando pela oposição e até parceiros sociais.
Passos, o seu Governo e alguns dos deputados que o apoiam selecionam um “target” (grupo-alvo) e apontam para ele privilégios. Com este propósito induzem outros grupos a olhar para o teto numa atitude de... Isto não é nada comigo! Mas não diz… preparem-se porque a vossa vez também chegará.
Isto não provoca angústia, provoca náusea.
Criando bodes expiatórios e dividindo os portugueses em grupos sociais e profissionais rivais tais como novos contra velhos, trabalhadores do privado contra os do público, pensionistas pobres contra pensionistas supostamente ricos, pobres e remediados contra ricos, torna-se muito mais fácil silenciar consciências, calcar valores para, consequentemente, poder dominar.
Sem querer estabelecer quaisquer comparações com outro contexto e noutras circunstâncias nos primórdios do terceiro Reich também começaram as perseguições a minorias e se viravam grupos da sociedade contra outros, acusando-os de serem privilegiados ou qualquer outra coisa que se inventasse para conseguirem os desígnios pretendidos.
Isto não provoca angústia. Provoca náusea, provoca desespero, provoca indignação, provoca revolta…
De acordo com um poema de Soares dos Passos, poeta ultrarromântico do séc. XIX da corrente pessimista,
“Vai alta a lua! na mansão da morte…”, deste nosso Portugal.
“Um gesto, um acontecimento no pequeno mundo colorido dos homens sempre é apenas relativamente absurdo: em relação às circunstâncias que o acompanham. Os discursos de um louco, por exemplo, são absurdos em relação à situação em que este se encontra, mas não em relação ao seu delírio. Mas eu, ainda agora, tive a experiência do absoluto: o absoluto ou o absurdo."
in A Náusea de Jean Paul Sartre
Imagem: Nausea de silent-arsonist
De acordo com a religião judaica um “bode expiatório” era um animal que, depois de um ritual religioso, era abandonado à sua sorte na natureza selvagem levando os pecados da humanidade. Para o cristianismo o bode expiatório foi Jesus Cristo que expiou os pecados da humanidade sacrificando-se, pela morte, para a salvar dos pecados.
Em sentido figurado, que é aquele a que nos iremos referir, um “bode expiatório” é alguém ou um grupo que é escolhido, por vezes sem qualquer critério, para levar com as culpas de calamidades ou acontecimentos negativos sobre os quais não teve influência ou esta é reduzida.
A procura de um bodes expiatórios é um ato propagandístico e irracional que atribui a uma pessoa, grupo ou instituição, a responsabilidade de problemas que por eles não foram criados. A procura de bodes expiatórios faz parte de propagandas políticas cujo caso mais evidente que é conhecido se deu no tempo do nazismo em que os judeus eram considerados os responsáveis pelos problemas económicos e desintegração do sistema político na Alemanha.
Tudo isto vem a propósito porque os nossos atores políticos, mais concretamente os que se encontram atualmente no Governo e os seus apoiantes são useiros e vezeiros em procurar bodes expiatórios para os seus falhanços e, quando os encontram repetem-no até à exaustão.
O primeiro é o refúgio no passado desculpando-se com a herança da dívida e do défice do governo anterior. Embora haja razões para tal foi o PSD que derrubou o Governo de Sócrates, assumindo a responsabilidade de “salvar o país” e retirá-lo da crise.
O segundo, foi atribuir a responsabilidade da crise aos portugueses que se endividaram e gastaram acima das suas possibilidades.
A Constituição da República é outro bodes expiatórios que é um obstáculo ao desenvolvimento económico e não deixava que as reformas estruturais, diga-se cortes, fossem feitos.
Vieram depois os funcionários públicos, os reformados e os pensionistas como bodes expiatórios. Baseados em dados de origem e cálculo duvidoso são culpados da crise devido a auferirem rendimentos elevados (?) e que, por isso, havia que serem objeto de cortes de rendimentos para reduzir a despesa do Estado e o défice. O bode expiatório função pública que, para o Governo como causadora do aumento de impostos foi ainda utilizado para lançar trabalhadores portugueses do privado contra os do público.
Com o orçamento de 2012 foi o Tribunal Constitucional o bode expiatório das derrapagens no mesmo ano apesar de, relativamente aos pontos do orçamento considerados inconstitucionais, o TC possibilitasse que se mantivessem os cortes naquele ano.
A moção de censura do Partido Socialista foi também um potencial bode expiatório para justificarem a perda de credibilidade dos mercados e das avaliações da “troika” que eventualmente se verificasse.
Mais recentemente, e mais uma vez, o bodes expiatórios foi o Tribunal Constitucional por ter considerado a inconstitucionalidade de alguns dos pontos do orçamento de 2013. Repare-se que deveria ser obrigação do Governo saber à partida o que poderia ou não ser inconstitucional no orçamento. Quando não se sabe pergunta-se! Mas é mais fácil culpabilização de outros para se justificarem os falhanços das políticas aplicadas.
Mais recentemente foram os bancos, nomeadamente a Caixa Geral dos Depósitos que já foi objeto de ameaças, os bodes expiatórios por não financiarem a economia, o que já foi desmentido. Não há falta de financiamento, há é falta de investimento.
Sistematicamente, este Governo usa e abusa de bodes expiatórios para desculpar as suas incompetências e incapacidades na resolução de problemas que herdou porque quis ao derrubar o seu antecessor e, para além disso, criou outros e agravando tudo o que dizia tencionar melhorar.
Quando não conseguem arranjar bodes expiatórios apontam-se fantasmas para atemorizar. Um dos muitos fantasmas que agora acena-se com um segundo resgate e, consequente, mais austeridade. Podemos não estar longe disso, mas, se tal acontecer, a responsabilidade é apenas de Passos Coelho e do seu Governo que não conseguiram como prometeram, minimizar os efeitos do défice e crise.
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