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Encontro-me no interior norte, Beira-Alta, rodeado por vegetação e pequenos terrenos cultivados para subsistência para uns e passa tempo para outros. Os pássaros cantam e a vida decorre no seu dia-a-dia como se Passos Coelho e o seu Governo nunca tivessem existido. Viseu é um distrito politicamente conservador e, tradicionalmente, votante no PSD desde a revolução do 25 de abril. Receios arcaicos que lhes foram incutidos pela ameaça da perda das suas pequenas courelas, caso certos partidos ganhassem as eleições. Nas últimas eleições de 4 de outubro a coligação de direita PáF do PSD e do CDS ganhou aqui no distrito com 51,05% contra 29,65% do PS. O BE conseguiu apesar de tudo 6,7% BE dos votos, mais do que o PCP-PEV que conseguiu apenas 3,5%.

Foi apenas após a demissão do Governo de Santana Lopes, e pela primeira vez, que o Partido Socialista, com José Sócrates, conseguiu penetrar no distrito e ganhar aqui as eleições. Embora tenha havido algumas mudanças nas mentalidades especialmente em Viseu, grande centro urbano da região, a fidelidade ao PSD mantem-se embora haja vozes discordantes sobre a forma como este PSD de Passos Coelho governou que não é o mesmo em que tradicionalmente votavam. A campanha negra contra José Sócrates (independentemente de haver acusação formada ou não) durante toda a legislatura de Passos Coelho levada ao extremo por órgãos da comunicação social afetos ao seu governo deu os seus frutos aqui para estes lados.

No “campo” os populares com a sua ingénua forma de ver a política votam muitas das vezes em pessoas que acham muito simpáticos, porque falam muito bem e prometem muito. Nas eleições autárquicas o processo refina-se pois que “os influentes” da vila, da aldeia e do lugar dominam e controlam com a sua influência as populações.

Hoje em dia, nesta beira profunda, o modo de vida em nada se compara ao que foi antes do 25 de abril de 1974 que trouxe às terras do interior desenvolvimento e qualidade de vida próxima da das grandes cidades, graças às televisões e à influência de “modas” difundidas por familiares emigrantes. Permanecem contudo hábitos e costumes do modo de vida rural muito conservador e voltado para o passado que à religião católica também ela muito conservadora ajuda a manter. A democracia para esta gente limita-se a votar nos calendários e sempre naqueles que lhes prometem um “status quo” tranquilizador para as suas vidas e que fazem apelos ao passado.      

Fora dos centros urbanos do distrito não se compram jornais porque não lhes chegam às mãos e, mesmo que assim fosse, não pagariam para os comprar, e depois há o café da proximidade onde leem o jornal regional. Os recursos financeiros são escassos e, quando os têm, poupam para a compra dum “carrito” em segunda mão, o resto é investido nas courelas e em equipamento para o cultivo sazonal. O que colhem é para consumo próprio e para distribuir pela família que, de tempo em tempo, vem à terra. O excedente que não consomem é, a maior parte das vezes, oferecido e o resto desperdiçado. Falam sobre política, mas daquela que lhes chega pelos quatro canais da televisão e seus comentadores.

Sobre a política que lhes chega a reflexão que fazem “ao seu jeito” nem sempre é acrítica mas de senso comum repetindo chavões que ouvem nas televisões na maior parte das vezes veiculados pela propaganda da direita. É uma região de pequenos proprietários com parcelas de terra dispersas e onde o sentimento de posse da está muito arreigado e plena de receios ancestrais cultivados pelo antigo regime. A palavra socialismo é conotada com algo que lhes retira o que têm e não com o que possam, num futuro próximo possam vir a usufruir em termos sociais. Para muita gente que vive por estas bandas o conceito de Estado Social é ainda sinónimo de estado socialista que tudo tira.

É gente com filhos e netos que deixaram o campo e foram para a cidade, capital do distrito, ou para as grandes capitais tirar um curso superior para obtenção de um canudo que lhes traga promoção social que, grande parte das vezes, não terminam. No caso contrário a maior parte das vezes, de nada lhes vale por falta de ofertas emprego, ficando alguns por balcões do comércio porque não querem seguir a profissão dos pais. Por sua vez estes procuraram dar aos filhos uma forma de vida que não fosse cavar a hortas para cultivar batatas, couves e cebolas para consumo interno.

Nestes locais interiores o acesso aos cuidados de saúde sempre foi no passado um problema e continua a sê-lo e cada vez pior, resultado da governação de Passos Coelho. Para quem não tem transporte próprio a deslocação à cidade para tratar de qualquer assunto e assistência médica significa a perda de um dia completo devido à escassez de transportes públicos. A “carreira” passa às sete horas da manhã e depois só lá para o fim da tarde regressa. É o problema que sempre se segue às privatizações tão valorizadas pela direita que perdeu o poder. Há transportes se rentável caso contrários acaba-se com esses percursos se não forem subsidiados. Isto é, justificava-se a privatização para tornar os transportes mais eficazes e rentáveis, depois subsidiam-se os privados para manterem certas carreiras. Dinheiro que sai dos contribuintes na mesma. Onde está o ganho?

É o dia-a-dia das pessoas do interior norte que se vai queixando mas que continua a colocar o seu voto na direita que nada lhes deu após o 25 de abril e que, passados 40 anos, lhes foi tirando o pouco que conquistaram…

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publicado às 22:48


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