Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Ao longo dos últimos quatro longos anos de governação de Passos e Portas, abençoados pelo Presidente da República Cavaco Silva, muitos têm pretendido, através de afirmações contrárias à verdade, reescrever a história recente da política portuguesa para justificarem as medidas que tomam contra os portugueses que os elegeram e que, segundo eles, conheciam o programa. Será que conheciam?
É necessário que fique claro que nada justificou alguma da despesa exagerada do anterior Governo chefiado por José Sócrates, apesar das políticas de então, procedidas da Europa, fossem no sentido do investimento público que mais tarde veio a recuar que em Portugal não foi travado atempadamente mantendo-se uma política despesista.
Para o confirmar basta um pouco de tempo e paciência para consultar o que se publicou deste então na imprensa sobre o tema do pedido de ajuda internacional a Portugal que foi efetuado a 6 de abril de 2011 para se perceber a falta à verdade e a hipocrisia com que alguns senhores que por aí andam a tentar, mais uma vez, enganar os portugueses.
Se não vejamos.
Pouco dias antes Portugal tinha proposto um programa de austeridade denominado PEC 4 (Plano de Estabilidade e Crescimento 4, agora chamam-lhe apenas PE) que dias antes tinha sido elogiado por Angela Merkel. Com o seu apoio e o do presidente da Comissão Europeia Portugal poderia ter obtido um resgate mais suave.
Sobre este facto José Sócrates dá conhecimento disso ao líder da oposição Passos Coelho. Nessa altura era bem conhecido o apoio partidário, poder e a influência que José Relvas exercia sobre o líder do PSD. Diria que Passos Coelho era dependente de Relvas e por este influenciado, e por tal não deixa passar o PEC 4 justificando que já tinha havido vários PEC’s, alegava desconhecimento e que não queria que os portugueses passassem mais sacrifícios. É bom atentar nesta ideia e compará-la com as ideias posteriores de Passos.
Objetivo principal, óbvio e oportunista era a queda do Governo e a tomada do poder através de eleições antecipadas, cujas sondagens devido às medidas já tomadas pelos PEC’s anteriores davam uma maioria ao PSD.
No discurso da tomada de posse como Presidente da República, a 4 de abril, Cavaco Silva faz um ataque ao então Governo de Sócrates afirmando que não havia espaço para mais austeridade, “Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadão”, dizia. Nesta altura começou a ser notado o alinhamento do Presidente da Repúblicacom o Governo e a sua falta de isenção e independência.
Entretanto os bancos pressionavam o ministro das Finanças da altura, Teixeira dos Santos que sem consultar José Sócrates anuncia publicamente que Portugal precisava de recorrer a ajuda financeira externa. Sócrates pede a intervenção da “troika”.
Angela Merkel que também desconhecia aquele facto mostra-se surpreendida e desconfortada com tal medida.
Claro que os partidos da oposição, obcecados pelo poder, e os comentadores neoliberais extremados e alinhados com o potencial futuro Governo de maioria, sem o mínimo espírito crítico, dão vivas ao memorando de entendimento que foi assinado como sendo o melhor que poderia ter acontecido a Portugal.
Esta parte da história termina aqui. Mas quais foram as consequências daquela obsessão pelo poder, da intransigência em não reconhecer os erros cometidos, continuando com a mesma orientação e o apoio dado a esta política pelo Presidente Cavaco Silva sem o mínimo pudor político de alinhamento com o Governo?
Basta ler o memorando de entendimento ou o relatório de ajustamento 2011-2014 da altura e verificar as projeções para a economia portuguesa.
A austeridade seria de um ano. Passou a três. Não, agora já de quatro e continua até 2019
Recessão inferior a 4%. Real próximo de 8%.
Ajustamento previa 2/3 pelo lado da despesa e 1/3 pelo lado da receita. A realidade mostrou que o aumento de impostos foi muito superior à redução da despesa.
Desemprego previsto 13%. A realidade mostrou que atingiu mais de 17%. E assim continuaria se não fossem as manobras artificiais para a sua redução tais como os subsídios dados a empresas que aceitem desempregados através de estágios.
O memorando não aborda a questão da emigração, mas foi superior a 250 mil.
Previa-se uma forte recuperação da economia com base nas exportações e no investimento, mas a recuperação foi muito fraca e com solavancos, mais baseada no consumo interno e nas exportações também estas com oscilações face à oscilação dos mercados externos.
O sistema financeiro estava sólido garantiam. A realidade mostrou bancos a irem à falência e outros a recorreram à linha de capitalização de dinheiros públicos previsto no memorando. Outras instituições recorreram a aumentos de capital.
Financiamento nos mercados foi a única coisa aceitável mas, mesmo assim, continuamos a estar com a dívida pública nas zonas do lixo das agências de rating. Quando falam obtidos a juros mais baixos, estes não foram devidos ao bom comportamento de Portugal, aconteceu o mesmo em todos até com a Grécia.
Não previam crédito às pequenas para que as pequenas e médias empresas funcionassem com base nesse financiamento. A realidade foi o corte na concessão de crédito a estas empresas, logo, falências e aumento do desemprego.
Desconhecimento da realidade económica e social do país demonstrado pelo próprio memorando resultou na realidade mostrada pela destruição da economia e o aumento muito elevado de problemas socias e de pobreza.
Privatizações: venda a quem calhou, neste caso a chineses, (leia-se ao estado chinês) de empresas como a EDP e a REN tendo-lhes sido garantido que os otários dos portugueses continuariam a pagar a energia a preços elevados.
E, por aí fora…
Não digo mais, porque eram tantas as coisas que até me fartei e já tinha consumido muito tempo em pesquisas.
Repito, basta ter paciência para reler os jornais. Coisa chata aliás agravada por ter que voltar a encontrar os disparates que esta gente que nos desgovernou disse ao longo destes quatro anos. Quatro anos até parecem ser cinquenta, como os do outro, os de Salazar.
Fontes principais: Jornal Expresso, Nicolau Santos.
Outras fontes: jornais diários como Público, jornal i, revista visão, revista Sábado, Diário de Notícias.
A troika foi, em grande parte, trazida pela direita, portanto, teria que libertar-se dela, já que mais não fosse virtualmente.
Todos os que agora querem, advogam, pedem e apelam ao consenso com a oposição para validarem medidas cada vez mais austeras que querem impor aos portugueses são os mesmos que, em 2011, não se interessaram em o fazer.
Obcecados que estavam pelo poder ajudaram a empurrar Portugal para um pedido de resgate de 78 mil milhões de euros da troika que veio de facto a governar secundarizando o próprio governo que, mesmo com a limpeza da saída, por cá vai ficando atrás da porta até 2021.
A política financeira do país, na altura muito pouco cuidada e desastrosa de José Sócrates, pese embora os sinais dados pela Europa no sentido da promoção do investimento público, a verdade é que Passos e Portas, quando decidiram recusar o PEC 4, tinham na mira do poder.
Não se ouviu naquela altura o Presidente da República apelar a quaisquer consensos e entendimentos como o faz agora tão insistentemente querendo ir para além do mero entendimento do DEO (Documento de Estratégia Orçamental).
Teria sido oportuno efetuar um acordo ou um pacto parlamentar que, na altura, evitasse o resgate da troika para que não tivéssemos hoje:
O empobrecimento da população em geral.
Um Estado social a enfraquecer bruscamente.
Um aumento dos desempregados cuja baixa se deve a meios artificiais e não por criação de postos de trabalhos reais.
Diminuição progressiva dos apoios sociais.
Cantinas socias cheias pelo que se vangloria o ministro Mota Soares.
Venda das melhores e mais rentáveis empresas do Estado.
Promessas da continuação da austeridade por muitos anos embora a propaganda diga que estamos a começar a entrar no melhor dos mundos e cantam loas de vitórias virtuais.
A Espanha, aqui ao lado, lá conseguiu recuperar sem tutelas externas e sem passar por humilhações como aquelas que ainda hoje passamos, como a da ingerência e pressões sobre as nossas instituições democráticas. Durão Barroso descobriu agora o seu país intrometendo-se na política interna, diz e desdiz o que já disse ajudando a que a humilhação continue, e o governo aceita tudo isto como de uma normalidade se tratasse.
A direita bem pode fazer um ato de contrição porque grande parte da responsabilidade pelo que hoje estamos a passar, senão a maior, também é dela.
Um tal Professor de Economia Ricardo Reis a exercer na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, de quem até hoje e enquanto leigo mas atento a questões de economia tinha ouvido falar, veio, no suplemento Dinheiro Vivo do Diário de Notícias, tecer elogios ao ajustamento português, como se ele o tivesse sentido na pele. Em democracia tem todo o direito de dar a sua opinião, mas sobre observações teóricas já cá temos muitos a fazê-las tão bem ou melhor do que ele. Por isso, pode ficar por lá porque aqui não precisamos dos seus comentários e por lá sempre está na sua zona de conforto. Aqui já há muitos! Ser jovem e falar do alto da cátedra é sempre fácil quando nos mantemos confortavelmente numa zona intocável.
Diz então o dito professor Fernando Reis que:
a) “… o programa de ajustamento português funcionou.”. Talvez quisesse dizer programa de empobrecimento. Não diz é à custa de quem e quais os que participaram mais e com que sacrifícios.
b) “O desequilíbrio externo desapareceu”. Penso que este economista deve andar desatualizado sobre o caso português porque, embora tenha havido uma continuação do que já se verificado antes de este governo tomar posse, atualmente tem vido a estar em queda embora ainda pequena. Como ele deve saber tem a ver também com a economia europeia para onde exportamos.
c) “O Estado pode de novo financiar-se a taxas baixas.” Parece desconhecer que a baixa das taxas de juro em nada tem a ver com o Governo porque elas têm estado a descer em todos os países, mesmo naqueles que estão ou já estiveram intervencionados, Grécia, Irlanda, Espanha… E, Tal é devido à intervenção do BCE para evitar especulações…
d) Diz ainda que foram “graduais os cortes que este governo conseguiu fazer”. Acho que é preciso ter “lata”. Se foram graduais como seria de fossem precipitados? A França e a Espanha estão afazê-las num prazo mais alargado e, mesmo assim, veja-se o descontentamento.
e) Critica os acórdãos do Tribunal Constitucional. Claro é mais um… a fazê-lo. Nada de original.
f) Continua reafirmando que “as taxas de juro da dívida pública provavelmente não teriam descido tanto como aconteceu nos últimos meses.” Voltamos à alínea c). A baixa das taxas de juro dos últimos meses em nada tem a ver com este governo. O mesmo se verifica noutros países intervencionados como se pode confirmar consultando a evolução destas taxas nos mercados europeus.
g) Não professor, a questão da TSU não foi, como diz, apenas “para baixar salários”, o que se pretendia era aumentar a TSU ao trabalho, reduzindo-a aos empresários o que, obviamente, reduzia o salário líquido do trabalhador. Era uma transferência de verbas do empregado para o empregador.
h) “…as mudanças de impostos deste governo foram sempre muito progressivas.”. Por isso é que a classe média foi a mais penalizada com o aumento dos impostos e, apesar dos rendimentos mais altos serem também penalizados isso não se fez sentir porque a riqueza de alguns aumentou, mas a pobreza aumentou muito mais. Efeitos positivos do ajustamento dirá!
i) Para terminar o jogo de hipóteses colocadas sobre desvalorização e inflação são meramente, e neste momento, académicas porque sabe muito bem que não temos escudo e a desvalorização da moeda por efeito cambial não é possível.
Todavia, o tema da inflação que é o mote para o referido artigo é a única parte que, do meu ponto de vista, encaro como isento porque real e objetivo. Quanto ao resto não é mais do que um ponto de vista de ajuda ao governo em funções dando uma ajudinha para as eleições. A economia, sendo uma ciência social, também pode ser utilizada, sempre que convenha, para fazer política, digo, propaganda ideológico-partidária, e as eleições europeias estão à porta.
A Náusea é um romance escrito por Jean Paul Sartre, romancista e filósofo, cuja leitura esteve muito em voga nos anos sessenta, altura em que se discutia a essência do existencialismo. Para quem não conheça vou fazer uma síntese do seu conteúdo, sem qualquer intuito filosófico, para que se possa entender melhor o que irá ser escrito a seguir.
O protagonista Antoine Roquetin é um historiador que se fixa numa cidade portuária virtual, Bouville, em França onde inicia a escrita de um livro que não é mais do que um diário. Como se encontra na solidão começa a refletir sobre o sentido da existência e do quanto pode ser vazia e sem significado. Quando Roquetin se depara com a realidade que o rodeia sente náuseas por acreditar que essa realidade não tem qualquer base de sustentação, portanto, desprovida de qualquer sentido. Tenta então perceber a razão de ser daquele sentimento de repugnância que premeia o seu dia-a-dia em relação a tudo o que o rodeia devido às circunstâncias derivadas da falta de sentido a respeito da sua existência.
Vejamos então onde é que tudo isto se insere no nosso quotidiano político atual. Em primeiro lugar é a forma de comunicação do Governo que revela falta de respeito para com os cidadãos. As mentiras e os embustes são constantes na tentativa de lançar para a comunicação social a informação de que vão ser tomadas medidas que lançam na sociedade intranquilidade para depois recuar ou transformar essas medidas noutras mais brandas que geram uma impressão de alívio do tipo “do mal, o menos”, característica muito peculiar dos portugueses, para mais tarde avançar como outras mais gravosas. Em segundo lugar a utilização de um léxico enganador como por exemplo o empobrecimento que agora se chama ajustamento, os trabalhadores chamam-se colaboradores, o roubo aos depósitos dos cidadãos nos bancos chama-se transformação de créditos credores em ações do próprio banco, despedimento é requalificação, cortes nos salários e pensões são poupança. Trata-se em alguns casos de uma apropriação eufemística[i] da linguagem. Noutros casos os trabalhadores passaram a ser, na terminologia económica e financeira, mão-de-obra, custo, recursos. As pessoas passam a ser tratadas como objetos. A teoria económica marxista, coisa que a direita rejeita profunda e convictamente, refere que o capital (hoje investidor) considerava o trabalhador como uma mercadoria. Então em que ficamos quanto a conceitos no que se refere ao trabalho? Será apenas uma questão de terminologia?
Tudo isto nos conduz a uma analogia com a angústia sentida pelo protagonista da Náusea ao depararmo-nos também com uma realidade que nos rodeia e da qual sentimos náuseas. Náuseas de um governo, náuseas de uma ideologia e política neoliberal insensível que têm uma base de sustentação e um objetivo destruidor de uma sociedade cujo sentido não se altera e tem sido muito bem definido pelo Governo. Percebe-se então a razão de ser daquele sentimento de angústia e repugnância que acompanha o nosso dia-a-dia em relação a tudo o que nos rodeia. Angústia do desemprego, angústia da perda de reformas, angústia sobre como alimentar os filhos, angústia sobre como pagar rendas de habitação que aumentam sem olhar a meios, angústia da ameaça do empobrecimento, angústia pelo enriquecimento imediato de alguns à custa do empobrecimento dos mais frágeis, angústia pela impotência de lutar contra um estado de coisas que a larga maioria não criou, resignação e acomodação angustiadas, etc., etc.. Enfim, como uma sociedade é constituída por pessoas que existem na realidade e não apenas em números, cada um delas terá as suas angústias próprias cujo somatório corresponderá à angústia coletiva nauseante a que este Governo conduziu Portugal.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.