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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Fonte: London School of Hygiene & Tropical Medicine; COVID Tracker. 5 Março 2020
Figura 1
O Homem e a sua influência situam-se no contexto do espaço e do tempo e este facto tem uma riqueza intelectual e conceptual que faz parte de um dos mais fascinantes campos da geografia humana. Foi por isso que durante a minha licenciatura em Geografia Humana na especialidade de Planeamento Regional e Local me entusiasmei pelos estudos na área da difusão espacial.
Interessado pela evolução da recente epidemia do Coronovirus, COVID-19, que se tem difundido a partir da China fui rever alguns temas sobre esta matéria em que me debrucei para mostrar o processo e os modos pelos quais doenças epidemiológicas podem ser transmitidas. Este texto revisto e atualizado não trata especificamente da difusão de uma doença epidemiológica, o que sairia fora do âmbito do meu conhecimento, mas, sobretudo, dos processos de difusão em geral de ideias, inovações e doenças contagiantes e o modo como se disseminam no espaço geográfico.
Bases para um estudo sobre difusão espacial.
Em Geografia Humana o termo difusão refere-se à disseminação de um lugar para outro de pessoas, bens, ideias, práticas culturais, doenças, tecnologia e outros fatores. Esse tipo de propagação é conhecido como difusão espacial. O homem, o espaço e o tempo são as áreas da difusão que se ocupa dos problemas da dinâmica espacial.
O mais notável esforço inicial para os modelos de difusão espacial pertenceu a Hägerstrand, geógrafo sueco, professor de geografia na Universidade de Lund, conhecido pelo seu trabalho nesta área. Hägerstrand desenvolveu modelos probabilísticos com técnicas estatísticas para simular como é que um processo de difusão progride ao longo do espaço e do tempo, e ilustra como a disseminação de um fenómeno geográfico pode ser representado quantitativamente. Não irei abordar o aspeto estatístico porque envolveria modelos estatísticos que caem fora do pretendido.
Quando consideramos a influência exercida pelo homem no contexto do espaço e do tempo não podemos perder de vista as interações que condicionam explicitamente, no sentido meramente estático, as suas atividades dentro das dinâmicas e dos padrões espaciais dos processos de difusão que atuam no espaço e ao longo do tempo. Os paradigmas do homem sobre o espaço geográfico através do tempo é algo fascinante de ser analisado e estudado. Mas, afinal qual é o objeto de estudo da difusão espacial?
Conceitos básicos.
Para iniciar e ao debruçarmo-nos num determinado campo de estudo precisamos de adquirir um corpo de conceitos, inicialmente simples, a partir dos quais podemos construir estruturas mais complicadas. Partimos então de princípios óbvios: primeiro, qualquer coisa no sentido lado que se mova pelo espaço geográfico é transportada ou levada de algum modo; segundo, a percentagem das coisas que se movem no espaço são influenciadas por outras coisas que a causam. Assim, quando começamos a pensar nos vários tipos de difusão espacial, devemos considerar o quê e quem se desloca, e o que é levado e, ainda, as barreiras que podem dificultar as entradas no processo de difusão. São eles os transportadores ou portadores de algo que vão desde uma ideia, uma inovação, uma migração, quaisquer que sejam, até à disseminação de uma qualquer doença epidemiológica.
Quando se pensa em transportadores o que nos vem logo à ideia é o transporte de mercadorias e o movimento de pessoas em todos os espaços geograficamente habitados e frequentados através dos diversos meios de transporte, assim como os seus movimentos, seja nos espaços das grandes metrópoles, seja nas pequenas cidades, vila, aldeias e espaços rurais.
As pessoas são suscetíveis a aceitar certas ideias e inovações e ser resistentes a outras. Uma vez que um indivíduo adere a uma ideia, ele pode, após um período de tempo mais ou menos prolongado passá-las para outras.
Como de processa então o fenómeno da difusão espacial?
Figura 1a Difusão por expansão (Adaptação a partir de Peter Gould)
A difusão por expansão ocorre de duas formas: difusão por contágio e difusão hierárquica. As doenças infeciosas são um exemplo de expansão por contágio. Uma doença não segue regras, nem reconhece fronteiras à medida que se espalha. Um incêndio florestal é outro exemplo que se encaixa nessa categoria; a difusão por relocação que veremos adiante.
Para iniciar a compreensão do fenómeno da difusão espacial vamos considerar um tipo muito comum da difusão espaço-geográfico, no qual as ideias se espalham por um grupo de pessoas. Pensemos, por exemplo, num boato que corre rapidamente pela a população de um determinado local ou, ainda, uma ideia sobre uma nova tecnologia que se propaga numa determinada área. Inicialmente, apenas uma ou algumas pessoas terão a informação ou o conhecimento desse boato ou ideia conforme mostra a figuras 1a e 1b.
Figura 1b Difusão por expansão (Adaptação a partir de Peter Gould)
De seguida a ideia ou o boato é logo comunicado aos amigos e vizinhos e, como é espectável, os novos possuidores da “novidade” informam a seus conhecidos, e gradualmente, a ideia espalha-se pela população. A este processo chamaremos difusão por expansão. Assim, quando uma ideia, notícia ou boato são comunicados por uma pessoa que a conhece a alguém que não a conhece, o número total de conhecedores torna-se cada vez maior ao longo de determinado tempo.
Figura 2a Difusão por relocação (Adaptação a partir de Peter Gould)
Figura 2b Difusão por relocação (Adaptado de Peter Gould)
Nem todos os processos de difusão são efetuados por expansão. Em muitos casos, um grupo inicial de pessoas ou transportadores deslocam-se no espaço e durante um certo tempo conduzindo à difusão num novo conjunto de locais. É por esse motivo que chamaremos a esse tipo de processo difusão por realocação figuras 2 a e 2b. O exemplo mais comum e mais evidente é o da migração. Quando grupos de pessoas mudam as suas residências de um lugar para outro ou se deslocam, mesmo que temporariamente, como é o caso do turismo.
Se em Portugal conseguíssemos percorrer 5 anos em cinco minutos, poderíamos ver vários processos de difusão por realocação a acontecer simultaneamente a diferentes locais, velocidades e escalas. Em 2015 e 2016, a União Europeia (UE) conheceu um afluxo sem precedentes de refugiados e migrantes. Mais de um milhão de pessoas chegaram à União Europeia que, na maioria dos casos, fugia da guerra e do terror na Síria e noutros países.
A UE adotou diversas medidas para fazer face a esta crise através de medidas para a realocação dos requerentes de asilo que já se encontravam na Europa. Sobrepostos aos lentos processos de difusão ao longo de décadas, encontram-se os fluxos sazonais mais rápidos de férias, difundindo-se através do turismo.
Esses migrantes trazem consigo para o país de acolhimento novas ideias e inovações culturais que os autóctones podem reproduzir. Quando as pessoas imigram de país para país, ou simplesmente se mudam do país para a cidade, geralmente compartilham tradições e práticas culturais com a sua nova comunidade quando chegam. Essas tradições podem até ser adotadas pelos seus novos vizinhos, o que é especialmente verdade nas tradições gastronómicas, por exemplo.
Os processos de difusão também podem ser considerados noutros termos. Suponha que uma doença esteja a ser propagada através de uma população por contato direto; isto é, uma pessoa deve realmente tocar em outra para que a doença possa ser transmitida, como são, por exemplo, as doenças venéreas que estão no grupo das chamadas doenças contagiosas. Este termo é também utilizado para caracterizar processos de difusão por contágio que, por definição, é fortemente influenciada pelo efeito do atrito da distância que se denomina efeito de barreira. Assim, muitas ideias, inovações e doenças são transmitidas por quem já as possui a pessoas próximas.
Num processo de difusão a mera distância geográfica nem sempre é a influência mais forte, pois algumas ideias e inovações e algumas doenças epidémicas não atingem muitas pessoas e não atingem alguns locais. Geralmente esta espécie de salto caracteriza os processos de difusão hierárquica em que lugares grandes ou pessoas em posições de destaque tendem a receber as notícias primeiro lugar, transmitindo-as posteriormente a outras pessoas mais abaixo na hierarquia processo (Figura 3).
Por exemplo, muitas modas de vestuário como novos estilos, cores, etc. que são originárias dos principais centros mundiais e urbanos da moda graças a meios de comunicação social como a televisão difundem-se para outros países e cidades formando os principais nós regionais na Europa, pequenas cidades e até áreas rurais. Apesar disso existem atrasos na difusão pelo que poucas pessoas não observam os contrastes entre as modas nas áreas metropolitanas e as das cidades rurais que compartilham.
Da mesma forma, ao nível pessoal da difusão, muitas inovações de primeira linha são primeiramente adotadas pelas pessoas de mais posses, os ricos e localmente mais importantes de uma região, e, só depois, chegam à hierarquia social local e a outras pessoas na área.
| Difusão por Contágio | Difusão Hierárquica |
Expansão | Ideias. Inovações a nível local. Doenças. Organizações sociais. | Ideias. Inovações. Modas através de cidades e estruturas de lugares centrais. |
Realocação | Ondas de migrações. Roturas nas fronteiras. | Movimentos de estudantes nas universidades. Transferências e deslocações de estudantes (ex.: Erasmos). Migrações por “salto” (do tipo clandestino). |
Classificação de alguns tipos de processos de difusão espacial
É óbvio que os processos de difusão nem sempre são exclusivamente de um tipo ou de outro. Por exemplo, muitas difusões por expansão são do tipo por contágio. Uma ideia, uma inovação ou uma epidemia surgem gradualmente para fora de uma área central através pelo processo de contágio. Um projeto cultural, por exemplo, pode entrar simultaneamente nas classes mais altas e nas mais baixas, indo desde as pequenas cidades aos grandes centros nacionais e regionais. Uma doença de características epidémicas já não segue exatamente este padrão.
Da mesma forma, alguns processos de difusão por realocação podem ser efetuados por contágio. A distância é de importância crucial. No entanto, a maior parte da difusão por realocação parece ser também de natureza hierárquica. Não há um nível comum à medida que pessoas e instituições sobem e descem pelas estruturas nas camadas sócio-económico-académicas-culturais que caracterizam grande parte da vida moderna.
É claro que a maioria dos processos de difusão não é simples e não se enquadra de maneira clara nos modelos teóricos que são uma simulação abstrata da realidade cujos fatores explicativos são formulados para explicar os processos, mas, por outro lado, em muitas das situações vários modos de difusão podem operar simultaneamente e mudar de intensidade.
Um modelo é uma abstração e uma simplificação para compressão da realidade, estruturado para ajudar a esclarecer algo complexo que desperta intelectualmente curiosidade. São filtros através dos quais olhamos para o mundo real. Nesse sentido, um mapa é pode ser um modelo, pois seleciona da complexidade do mundo real algumas coisas importantes e indica num "espaço modelado" conveniente as suas justa posições espaciais. O ato de "cartografar" não é simplesmente geográfico, mas também conceptual, no qual muitas coisas são compactadas e simplificadas, algumas vezes por métodos matemáticos rigorosos e bem especificados.
Podemos pensar os processos de difusão espacial e temporal como ondas utilizando uma analogia conceptual que é a analogia das ondas. Como todas as analogias deve ser usada com cuidado e cautela porque é um dispositivo conceptual útil para pensar em certos tipos de processos de difusão, desde que não seja tomado literalmente em todos os casos. Para alguns tipos de difusão vale como modelo útil e próximo do processo de difusão real. Assim, a onda é um modelo de simplificação de um processo de difusão, e parece ser adequado quando o processo envolve decisões individuais na adoção inovação.
Como todas as ondas, também a força/atividade das inovações num espaço geográfico tende a perder a sua força com a distância da fonte do foco. Se traçarmos um gráfico que dos dê por um certo período de tempo a proporção de pessoas que aceitam uma nova ideia ou uma inovação em relação à sua distância da fonte (Figura 4), podemos verificar como uma onda de inovação desaparece gradualmente.
Figura 5. Ondas de inovação vão perdendo força com a distância da área de origem. Modificado e adaptado por Rodrigues a partir de Spatial Organisation de Peter Gold
Durante o primeiro período, ponto 1 da Figura 4 muitas pessoas próximas à origem aceitam a inovação, enquanto só algumas ainda estão a tomar a decisão de a adotar; na segunda fase do período "geração", a onda moveu-se para fora, mas a crista já é menor e a energia do fluxo inovador está espalhada por uma área mais ampla. Durante períodos sucessivos, a crista continua a afastar-se da origem, mas com intensidade cada vez menor, até que a onda gaste completamente a sua força, ponto 5.
As ondas de vagas migratórias ocupam rapidamente, nos primeiros períodos, as regiões ou países mais próximos da origem da migração, mas, mais tarde, a crista da onda move-se para fora em direção a outras fronteiras e durante os períodos finais as mais próximas da origem diminuem, mantendo-se apenas em pequenas áreas. Deve ter-se em conta que, no caso de uma doença epidémica, o processo é idêntico, mas não depende de qualquer decisão voluntária.
Difusão geográfico espacial de doenças do tipo epidemiológico.
Uma epidemia é uma ocorrência súbita de uma doença, particularmente infeciosa, que se dissemina rapidamente na população com o surgimento de múltiplos surtos da mesma doença em diferentes locais ou comunidades de uma ou mais regiões. Tem um processo de difusão espacial baseado principalmente na disseminação contagiosa da doença que, cada vez mais se podem espalhar rapidamente por meio de ligações de transportes em escala regional e global pelo processo denominando difusão de rede (ver Figuras 1b e 3).
À medida que a mobilidade transfronteiriça de seres humanos, bens e serviços aumenta, também aumenta a ameaça de disseminação de agentes que podem provocar doenças infeciosas. Com a globalização, num mundo cada vez mais interligado e acelerado, se não forem avaliados e acautelados, os riscos, especialmente os riscos para a saúde, continuam a crescer.
As doenças de origem epidemiológicas progridem no espaço geográfico de maneira idêntica àquelas que referi anteriormente, embora com algumas particularidades pela sua etiologia (causa da doença) e transmissão. Novos aspetos que afetam a disseminação de doenças infeciosas epidémicas são fatores como a globalização, crescimento populacional e mudança ambiental entre outros.
Figura 6a. Coronavirus fora da China
Figura 6b. Coronavirus fora da China
Compreender a difusão das doenças infeciosas ao nível populacional é de grande importância na gestão de surtos novas doenças como o coronavírus (CODVI-19) ou outros ressurgentes. A difusão de doenças infeciosas através do espaço durante um certo tempo é exemplo de uma classe mais ampla de processos de difusão espácio-temporal, envolvendo movimentos de população que podem mudar em extensão ao longo do tempo que podem ser fundamentais na disseminação hierárquica de grandes cidades para cidades menores sem impedimentos para se espalhar.
Figura 7. OMS - Coronovirus em 05/03/2020.
Fonte: OMS
Hierarquicamente o inverso também pode ser verdadeiro como o que se passou na China onde o COVID-19 passou de uma cidade relativamente mais pequena para cidades maiores daí para o resto dos países. O mesmo estará a passar-se na Europa na data em que escrevo este artigo (Ver Figuras 5 e 6) com a difusão de uma cidade do norte de Itália que está a difundir o vírus para outros países da UE.
Estudos sobre outras doenças epidémicas anteriores parecem mostrar que existe uma correlação entre a densidade populacional humana e a propagação da doença e que o mesmo se passa nos bairros urbanos de maior densidade populacional que podem contaminar outros à sua periferia.
Na difusão espacial por vizinhança tem de haver pelo menos dois elementos envolvidos, a fonte e o recetor social em presença em unidades do mesmo tipo tais como, casa a casa, turma escolar para turma escolar ou ambos e dentro de uma única área bem circunscrita.
Há uma hierarquia identificada como difusão quando a transmissão da doença ocorre entre duas unidades sociais de diferentes tipos, agregado familiar à turma escolar ou turma escolar à família, mesmo que ambas as unidades sociais estejam na mesma região geográfica, isto é, devemos considerar o alastramento entre duas áreas distintas. Nesse caso, as áreas podem ser do mesmo ou de tipos diferentes, cidade, de uma subdivisão para outra subdivisão da cidade (freguesias e ou bairros), para um distrito do interior e para zonas rurais e assim sucessivamente.
A difusão hierárquica através de agregados familiares principais pode passar às escolas e, posteriormente, dar-se a transmissão da doença para outros locais (difusão nos bairros e freguesias). Isso pode acontecer porque em estádios subsequentes alunos que frequentam as aulas enquanto estão doentes, e aparentemente sem sintomas, podem espalhar para outros locais afetando também a vizinhança. Há, assim, cadeias de transmissão que nem sempre são hierarquizadas em termos de difusão. Um estudo estatístico para verificação destas hipóteses poderia ter interesse caso existissem dados para tal efeito.
As barreiras
Os processos de difusão não são apenas influenciados pelas características básicas que se consideraram até agora. Geralmente os processos de difusão não se passam em superfícies geográficas lisas e homogéneas denominadas isotrópicas. O espaço geográfico real raramente fica próximo da realidade do espaço onde se desenvolvem estudos através de modelos que são espaços ideais que são mais fáceis de trabalhar. Muitas coisas há que perturbam e diminuem a velocidade de propagação e alteram o curso da difusão numa determinada região e ao nível global.
No presente os tipos de barreiras ultrapassáveis devido aos atuais e mais rápidos meios de transporte deixando as barreiras físicas, na prática, sem quaisquer efeitos no processo de difusão.
Os paradigmas da inovação, migração e crescimento urbano que vemos nas sequências de mapas nunca são uniformes e simétricos como se fosse uma mancha circular de vinho a espalhar-se numa toalha. Em vez disso, eles são canalizados mais rapidamente em algumas direções do que noutras devido a barreiras que desaceleram a difusão e deformam as formas puras mais comuns em que incide a investigação das especialidades sociogeográficas.
As barreiras que se encontram no caminho de uma onda de difusão podem ter três efeitos básicos. Ao atingir uma barreira absorvente, a força da inovação é interrompida. Todavia, podemos pensar em toda a energia do processo de difusão nas proximidades de barreiras físicas que pode ser completamente absorvida e fazer com que o processo de difusão seja interrompido. Temos como exemplo locais impenetráveis como montanhas não escaláveis, florestas densas que põem barras à difusão das ondas migratórias, e as ondas em lugares onde se estabelece um grupo de pessoas que tendem, se puderem, a fluir em torno dessas barreiras para as ultrapassar ou atravessar lago e mares interiores que encurtam distância-tempo.
Por vezes uma onda de inovação atinge uma barreira e depois faz ricochete. Essas barreiras são denominadas refletoras e geralmente podem canalizar a energia de um processo de difusão para uma área local próxima e intensificá-la.
Temos que assumir que existe um certo campo de comunicação em torno das pessoas de modo voluntário ou obrigatório que preenche a sua necessidade pessoal de interação normal com os outros. Se alguém vive junto à costa marítima tem metade do seu campo de comunicação cortado, pelo que será óbvio que expanda o seu campo de comunicação para o lado terrestre. Assim, em certo sentido, a sua necessidade de comunicação salta da barreira refletora do litoral (o mar) e estende seu campo de comunicação para o interior. No caso de uma doença epidemiológica que tenha contagiado essa ou essas pessoas elas serão veículos da difusão da doença para o interior.
Às vezes, uma barreira pode desempenhar papéis absorventes e refletores, dependendo do mecanismo do processo de difusão. Podemos fazer uma analogia com uma floresta cujas árvores se estão a estender para norte cuja área é delimitada a oeste por um lago. A difusão das sementes das plantas ao serem levadas pelo vento algumas delas caem e perdem-se ou são absorvidas pela barreira que é o lago. A energia reprodutiva de uma floresta será reduzida localmente, e algumas plantas poderão ficar para trás do resto que avança. Por outro lado, o lago terá um efeito barreira bastante diferente numa floresta em que as árvores sejam nogueiras e as nozes caiam no chão aí permanecendo até brotarem novas árvores que avançam sem barreira até ao lago. Esta analogia simples e fantasiosa mostra um ponto importante: as barreiras são apenas definidas funcionalmente porque, quando falamos delas também devemos considerar o tipo de processo de difusão com o qual elas interagem.
As barreiras puras de absorção e de reflexão são raras. Na maioria dos casos, as barreiras não são absolutas, mas são permeáveis, permitindo que parte da energia e a força da difusão seja plena, embora geralmente diminuindo a intensidade do processo na área local. As propriedades gerais das barreiras podem possuir formas abstratas. Na realidade elas são de vários tipos diferentes. As mais óbvias são as barreiras físicas das montanhas, desertos, pântanos, lagos e oceanos que no passado eram totalmente absorventes, mas hoje a sua permeabilidade aumentou de tal forma que, devido aos tipos de transporte e alguns tipos de viagens e comunicações, já não existem.
Figura 8
No passado, quando a tecnologia de transporte e das comunicações era de um nível muito mais baixo, as barreiras físicas eram frequentemente importantes, diminuía a velocidade da difusão.
Devido à globalização aliada aos meios de transportes e comunicações uma barreira física como um rio, por exemplo, não interrompe completamente a comunicação entre pessoas que vivem em lados opostos. Da mesma forma, uma fronteira política raramente pode ser completamente selada e, embora possa absorver grande parte da energia da interação em potencial através dela. Nas fronteiras com controle de passaportes há sempre formas habilidosas de ultrapassar a legalidade. Ocorre sempre um truque para ultrapassar a barreira. Mesmo onde uma fronteira política é muito permeável, como o Espaço Schengen, há sempre algum efeito de barreira para quem viajasse na clandestinidade.
No passado as barreiras físicas eram importantes porque diminuíam frequentemente a as percentagens em que a velocidade em que ideias, inovações, pessoas e epidemias poderiam difundir-se pelo espaço terrestre. O efeito da globalização, a existência de sistemas de comunicação em tempo real que aceleraram a informação e o conhecimento e as redes de transportes à escala mundial contribuíram para a aceleração e a intensificação de trocas comerciais internacionais e para que a interação entre pessoas acelerasse a difusão de doenças epidemiológicas graves.
A eliminação de barreiras artificiais à circulação transfronteiriça de mercadorias, serviços, capitais, conhecimentos e pessoas, e o aumento do turismo devido à redução dos preços dos transportes, especialmente as viagens por avião que representa o meio de deslocação rápido de um destino para o outro, abriu caminho para a difusão de doenças epidemiológicas, sobretudo as mais graves.
No caso de novas ideias e inovações as barreiras religiosas e políticas também podem impedir ou retardar a sua difusão. Algumas organizações internacionais de natureza social e de solidariedade são proibidas em alguns países por motivos políticos ou religiosos, assim como associações de clubes cujo objetivo declarado é prestar serviços humanitários, promover valores éticos e a paz a nível internacional não se difundem em alguns países com regimes totalitários.
Outras inovações, tais como métodos físicos e químicos de controle da natalidade, regimes alimentares têm taxas de aceitação diminutas devido a barreiras religiosas e culturais.
As barreiras aos processos de difusão podem ser muito mais subtis, do que as barreiras físicas que são facilmente vistas no espaço geográfico. Muitas vezes as barreiras mais densas são as de natureza cultural e assumem formas muito diferentes. Por exemplo, na propagação de ideias as diferenças na linguagem e na cultura podem retardar a sua difusão, o que já não se verifica com doenças do campo das epidemias.
As barreiras linguísticas são algumas das mais estáveis e duradouras nos seus efeitos, apesar embora uma língua se poder divulgar lentamente por uma certa área. O inglês difundiu-se durante o século passado para muitas partes do mundo e aparece hoje como o principal idioma para a maioria das discussões comerciais e técnicas. Mas a difusão da linguagem pode levar muitas gerações.
Quando o decurso da difusão depende da tomada de decisão individual para adotar ou rejeitar alguma coisa fica claro que as principais barreiras ao processo podem estar na vontade das pessoas. Estamos então a lidar com barreiras psicológicas que podem acelerar ou retardar o curso de uma inovação ou de uma nova ideia ou, ainda, de um método para melhoria (ou agravamento) das condições de vida e até novos medicamentos ou vacinas. Essas barreiras às vezes parecem ser completamente absorventes ou completamente permeáveis; mas, quando muitas decisões de adoção são examinadas, os efeitos da barreira psicológica parecem mais complicados.
Figura 9
De qualquer modo. em qualquer espaço através do qual uma nova ideia se possa difundir, haverá sempre inovadores que a adotam primeiro que dão o exemplo e que são rapidamente seguidos por um grupo chamado maioria antecipada ou inicial cujo exemplo traz, por sua vez, a chamada maioria tardia ou retardatária. Finalmente, os retardatários em último lugar, quando quase todos os demais adotaram a nova prática figura 9. A curva simétrica, chamada curva logística, em forma de sino ou normal que descreve a distribuição de inovadores e retardatários pode ser expressa de uma maneira um pouco diferente como mostra a Figura 10.
Figura 10
O gráfico constrói-se com a percentagem de pessoas que adotaram uma inovação ou que foram contaminadas por uma doença infeciosa epidémica ao longo do eixo vertical e o tempo de adoção ao longo do eixo horizontal, começando à esquerda e gradualmente acumular a percentagem de adotantes à medida que avançamos para a direita. Quando T (Tempo) é pequeno, no início da difusão, acumularemos apenas uma proporção muito pequena de inovadores iniciais. No entanto, à medida que T aumenta, a percentagem de adotantes aumenta rapidamente à medida que a maioria inicial chega. Nesse ponto, um novo movimento à direita da curva normal gera a maioria tardia, mas a difusão está obviamente diminuindo à medida que a curva cumulativa no gráfico começa a virar para o outro lado. Eventualmente, os retardatários entram e uma onda avassaladora da difusão da inovação ou da epidemia atinge o nível de saturação iniciando-se o decréscimo. A curva em S que descreve o curso de um processo de difusão é conhecida como curva alogística.
A suposição trabalhada com essa questão especifica que a probabilidade de um recetor estar em comunicação à distância, se for uma ideia, ou em contacto presencial com outra pessoa, se for uma doença contagiosa ou uma tecnologia inovadora, depende apenas da distância entre eles. É expectável que a probabilidade de passar uma mensagem ou um vírus do tipo epidemiológico entre duas pessoas seja alta quando elas estão próximas e pequena quando elas estão longe. Assim, podemos imaginar ao redor de cada pessoa um "campo de comunicação" que é forte perto dele, mas que decresce e fica mais fraco com a distância. O problema é: como podemos medir a probabilidade de uma pessoa passar uma mensagem ou doença contagiosa a uma certa distância? A resposta a esta questão sai fora do âmbito deste trabalho básico, mas há modelos estatísticos que se utilizam para esse cálculo probabilístico.
O que se tem afirmado até aqui como primeiras suposições é que a proporção dos possíveis adotantes está distribuída uniformemente por todo um espaço, país ou região, e que, uma mensagem, inovação ou doença epidémica podem mover-se com a mesma facilidade em qualquer direção. Assim, o modelo teórico da suposição de uma "superfície de transporte" homogénea, isto é, baseado numa superfície isotrópica que é uma superfície plana com as mesmas propriedades físicas em todas as direções.
Outra questão é a de saber como é que as mensagens e as doenças se propagam pela superfície geográfica. Neste caso presume-se que as notícias e fenómenos deste tipo apenas se propagam através de uma pessoa que entra diretamente em contato com outra frente a frente. Por outras palavras, a comunicação é feita por pares e assim que uma pessoa ouve as notícias de outra, presumimos que ela adotará a inovação ou será contagiada caso seja uma doença transmissível.
Chegamos agora à questão central: a resposta saber qual a forma do componente mais importante de todo o modelo: como é que uma pessoa que toma conhecimento de uma inovação se associa com outra que não conhece? A última suposição lida com essa questão, especificando que a probabilidade de um recetor estar em comunicação com outras depende apenas da distância entre eles.
Se fosse possível recolhermos uma amostra de viagens e contactos pessoais e públicos numa determinada área e traçarmos o número de interações nos espaços onde elas se movem poderíamos ter uma noção da maneira pela qual o atrito da distância reduz a comunicação interpessoal, o que seria irrelevante já que, como disse anteriormente, na atualidade as viagens não são reduzidas devido à distância, mas com as decisões individuais. Isto mostra que o declínio geral na intensidade da comunicação/interação com a distância atualmente já não se verifica como no passado. Em algumas regiões e muito pequenas, lugares, aldeias, vilas, etc., por exemplo, podemos constatar que, na maioria das vezes, as pessoas comunicam entre si apenas por curtas distâncias. Em outras sociedades muito móveis, a probabilidade de comunicação em distâncias maiores é maior. A densidade das estradas e das rotas da aviação comercial associadas à rapidez são fatores importantes porque ao contribuírem para a acessibilidade também contribuem para a difusão.
Difusão espacial à escala urbana.
Nas cidades também ocorrem processos de difusão semelhantes e muitos dos distintos padrões étnicos de residência são o resultado de um movimento gradual para fora da área central, muitas vezes contra fortes barreiras psicológicas étnicas e de racismo que podem ocorrer em caso de epidemias. A falta de condições sanitárias nesses aglomerados urbanos onde existam núcleos de pobreza associados o foco da doença desenvolve-se a partir de uma pequena área central que se expande para blocos residenciais ao seu exterior uma probabilidade maior de contágio.
Processos e definições da difusão epidémica - Modelos espaciais de comportamento
A complexidade da dinâmica do comportamento espacial aumenta com as motivações individuais, interesses, características sociodemográficas pessoais, aspetos culturais, políticos, económicos e fatores tecnológicos ao nível macro.
Têm sido concebidos modelos espaciais que pretendem verificar se novos fenómenos tais como infeções causadas por transmissões de doença com especificidade epidémica que surjam num país ou numa região se podem influenciar num contexto espácio-temporal o comportamento humano. É importante conhecer com base no estudo das atividades cotidianas de indivíduos como estilo de vida, lazer ou compras se tais comportamentos são especialmente afetados pelo fenómeno duma epidemia que se espalhe no espaço e no tempo e se as pessoas apresentam alto nível de adaptabilidade ao processo de difusão, ou se, pelo contrário, existe uma retração nas suas atividades normais.
As unidades de propagação do tipo casa a casa, turma escolar para turma escolar, localizam-se dentro de uma única área bem circunscrita, mas a difusão hierárquica do vírus pode ocorrer entre duas unidades sociais de diferentes tipos quando:
(a) a transmissão da doença é feita de agregado familiar à turma escolar ou turma escolar à família ainda mesmo que ambas as unidades sociais estejam na mesma região geográfica;
(b) a transmissão foi verificada numa escala de região geográfica, isto é, se a difusão foi feita entre duas áreas distintas. Neste caso, as áreas podem ter de ser do mesmo ou de tipos diferentes como entre bairro ou freguesia de uma cidade para outra freguesia ou bairro da mesma cidade ou de outra, e de uma cidade ou distrito para uma região ou distrito rural e assim sucessivamente.
Famílias onde haja crianças em idade escolar podem introduzir a doença através da difusão hierárquica, ou seja, de turma escolar para casa. Pode acontecer ainda que famílias cujos casos foram introduzidos por adultos ou crianças do pré-escolar pode presumir-se que as crianças foram afetadas através da difusão do bairro, freguesia e por famílias da mesma área.
Assim, áreas geográficas como centros ou periferias urbanas, distritos rurais e escolas podem ser unidades de espaços-sociológicos potencias para difundir o fluxo epidémico de uma unidade para outra e, também dentro de cada unidade. Estas áreas, aglomerações de famílias ou turmas escolares podem ser focos de difusão prevalecente por períodos de tempo consecutivos.
Bibliografia
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Figura 4 – Classificação de alguns tipos de processos de difusão espacial
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