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Calibrar o pensamento

por Manuel_AR, em 14.01.14

Começo a pensar que devo calibrar o meu pensamento. O conceito de calibrar tem a ver com a ideia de comparar algo de uma espécie com outra da mesma espécie que serve de padrão. Será então um conjunto de operações que estabelece, sob condições específicas, a relação entre valores indicados por um instrumento de medição ou sistema de medição ou valores representados por uma medida de referência e os valores de grandezas estabelecidas por padrões. Com a calibração podemos conhecer o comportamento de um equipamento quantificando os erros que possa apresentar.

Por muito clubista que possa ser e muitas estima que tenha por Eusébio após os acontecimentos que rodearam a sua morte percebi que os meus padrões de pensamento necessitavam de ser calibrados de acordo com os valores de referência sociais, políticos, éticos e comunicacionais, porque não estavam aferidos com o arrebatamento exagerado que ocorreu.

A necessidade de calibragem sobreveio a partir do exagero dos órgãos de comunicação televisivos na ânsia de captar audiências. Foi um autêntico maná para a informação que mobilizou muitos milhares de telespectadores e laçou outros tantos para as ruas de Lisboa, mesmo aquelas que, sendo muito jovens, não viveram nem sentiram os momentos áureos que Eusébio deu a Portugal nos anos sessenta.

Há algo para mim inexplicável. Como é que muitos e muitos portugueses foram mobilizados e outros se automobilizaram a partir dos programas televisivos quando são incapazes de aderir a mobilizações, não importa agora quem as convoca, para se insurgirem contra o põe em causa a sua vida enquanto cidadãos e lhes retiram direitos que foram arduamente conquistados.

Devo calibrar o meu pensamento de acordo com certos padrões para perceber porque é que manifestações de pesar por Eusébio, às quais eu me associo embora não seja grande apreciador de futebol, tiveram mais afluência do que aquelas que estão contra a destruição de vidas e atentados aos direitos de milhares de cidadãos trabalhadores.

Pode haver uma explicação possível, os portugueses, tendo um défice de símbolos com que de facto se identifiquem e os envolva num projeto nacional agarram-se a símbolos efémeros e passageiros que em nada contribuem para melhorar as suas vidas. Agarram-se a "momentos de alegria" pontuais e passageiros que se esfumam na passagem dos dias. O projeto coletivo é unicamente o futebol que os une ou os desune consoante os interesses clubísticos.

Explicam-nos alguns frequentadores crónicos de momentos televisivos de informação que estas figuras tornam conhecido o nome de Portugal no mundo. Mas para quê, com que objetivo? Será que por aí se gera criação de riqueza e que, por isso, investidores virão a correr para Portugal para investir e gerar emprego? Ah! O turismo! Pois!

Por outro lado a cultura, não a futebolística claro, é simplesmente marginalizada porque, na perspetiva desta direita antissocial, não tem qualquer interesse e é vista apenas como algo que dá despesa.

A calibragem do meu pensamento não se consegue aferir no que reporta a valores que esquecem portugueses literatos, cientistas, artistas e outros, reconhecidos no estrangeiro que, de forma ignóbil, são esquecidos e se idolatram futebolistas cujas mais-valias, se é que existem neste âmbito, em nada contribuíram nem contribuem para o crescimento nem para tirar Portugal do marasmo económico e financeiro em sistematicamente que tem sido colocado. Recordo o caso do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 em que se esbanjou dinheiro em estádios inúteis.

Claro que, no caso de Eusébio, os políticos com um acontecimento tão mediatizado tinham que estar todos presentes, sem exceção. Isso interessa a um certo o eleitorado porque a diferença de um voto a mais pode fazer toda a diferença. Alguns até deram demais nas vistas, com mostra a imagem abaixo. Hipocrisia? Marketing político puro? Dá votos e visibilidade? Então, até se lambe o chão se for preciso.

Não. Afinal resolvi não calibrar o meu pensamento com aquele tipo de valores.

 

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publicado às 19:56



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