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Deveria iniciar-se este novo ano de 2015 com temas agradáveis e de esperança, palavra tão cara a este Governo desde 2011, mas um facto levou a que essa possibilidade se esbatesse. O facto tem a ver com o assistencialismo (não confundir com apoio) que, cada vez mais, se pretende implementar, à semelhança dos "maus velhos tempos" mas, desta vez, com características neoliberais revistas e atualizadas.

 

Foi publicada no Diário da República, 1.ª série — N.º 242 — 16 de dezembro de 2014 uma Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2014 que cria a iniciativa "Portugal Inovação Social". O Governo, para se ver livre do encargo que provocou e agravou ao Estado aposta e investe mais naquilo a que chama inovação social, isto é, na criação e apoio aos pobres e desfavorecidos através de empresas e organizações assistencialistas, do que na inovação que promova e contribua para o desenvolvimento e formação das pessoas e do país.

Assim, segundo o preâmbulo daquela Resolução, "o Governo procura contribuir para o desenvolvimento e promoção de um mercado de investimento social em Portugal" o que quer dizer que os mais carenciados, onde se encontram muitas das pessoas que eram classe média, passarão a fazer parte de um mercado atrativo para investir.

O conceito de economia social tem vindo a ser utilizado sem que a maior parte das pessoas menos ligadas ou interessadas neste tema consiga perceber o seu significado. O Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, cuja pasta é gerida pelos Ministro Mota Soares que o converteu numa espécie de "Santa Casa para o Assistencialismo", tem sido o motor da divulgação do conceito sem que explicite claramente o que seja.

 

A economia social não é mais do que um nome pomposo para designar o assistencialismo que é uma forma de assistência aos pobres e desavindos da sociedade que teve o maior incremento com a revolução industrial, sendo denominado o terceiro setor. O primeiro é o setor público, Estado e Governo e o segundo são as empresas privadas.

 

Em Portugal, o assistencialismo que alguns tendenciosamente tentam designar por economia social, data dos reinados de D. Dinis, 1293 e D. Afonso V, 1438 com as confrarias direcionada para o socorro mútuo aos desfavorecidos da sociedade.Posteriormente surgem as Misericórdias como organizações de auxílio aos mais pobres cuja primeira foi fundada pela rainha D. Leonor em 1498 na Caldas da Rainha a que se seguiu Lisboa.

 

A Economia Social é uma forma de organização da atividade produtiva cujas empresas e organizações visam a melhoria da qualidade social sem fins lucrativos. Na atualidade está associada ao Estado-Providência liberal e neoliberal que fomenta planos de bem-estar modestos, abrangendo sobretudo os desfavorecidos, em que o Estado funciona numa ótica de favorecimento do mercado e de esquemas privados.

 

A resolução n.º 73-A/2014, utilizando no seu preâmbulo e também nos seus artigos uma linguagem intencionalmente enganadora, confusa e hermética para a maioria das pessoas, torna-se ofensiva para os mais desfavorecidos transformando-os numa mercadoria de troca estimulando a iniciativa privada nesta área, destituindo o Estado das suas obrigações sociais.

A resolução n.º 73-A/2014 refugia-se no Acordo de Parceria que Portugal propõe à Comissão Europeia, denominado Portugal 2020, que adota os princípios de programação da Estratégia Europa 2020 e consagra a política de desenvolvimento económico, social, ambiental e territorial que estimulará o crescimento e a criação de emprego nos próximos anos em Portugal. Por outras palavras, 1,5 mil milhões de euros são diretamente destinados a entidades de direito público, privado e entidades da economia social, sendo previsível que será preferencialmente para estes últimos, que desenvolvam projetos de "inovação e empreendedorismo social".

 

Claro que, podemos antecipar que uma grossa fatia irá beneficiar e parar aos bolsos de quem tem mais posses através de "financiamentos de natureza grossista com fundos participados", os valores residuais serão para a "ralé da pobreza".

 

Leia-se o ponto 5b) da Resolução: "Dinamizar o mercado de investimento social, criando instrumentos de financiamento mais adequados às necessidades específicas do setor da economia social e dos projetos de inovação e empreendedorismo social".

 

O ponto 5a) diz: "Promover o empreendedorismo e a inovação social em Portugal, como forma de gerar novas soluções, numa lógica complementar às respostas tradicionais, para a resolução de importantes problemas societais". Isto significa que as respostas tradicionais que são do Estado e visam a efetiva inserção social das pessoas e garantir a proteção a todos os que dela necessitam assim como a salvaguarda da dignidade serão entregues à ambição de novas parcerias público-privadas que existem e outras que irão proliferar para tirarem vantagem das verbas que lhes serão atribuídas através de "vales de capacitação atribuídos aos destinatários, para reforço das suas competências no desenho e implementação de projetos de inovação e empreendedorismo social", ponto 2d) da Resolução.

 

Da leitura completa da Resolução torna-se óbvio que se quer implementar uma forma de empreendedorismo utilizando a necessidade e a pobreza como investimento para os empreendedores.

 

Por palavras muito simples: empobrece-se um povo para, depois, à sua própria custa, se gerar um empreendedorismo que beneficiará alguns poucos, com muito e outros com a míngua que resultará do investimento.

 

Não tenhamos ilusões, salvo reduzido número de entidades que terão de facto a missão honrosa de proteger os mais necessitados, os restantes veem com muito interesse o investimento que lhes trará algumas vantagens de permeio apesar de se intitularem como sendo de "sem fins lucrativos" o que não é mais do que um eufemismo.

 

As IPSS's e ONG's sempre tiveram um papel importante mesmo muito antes da crise e muitas ainda continuam a ter e desejam-se a essas longos anos de vida sejam elas a que organizações pertençam, religiosas ou não. O que passa a estar agora em causa é abertura de portas a potenciais especulações na área da assistência.

 

As entidades ligada à igreja, ou que a ela estão ligadas veem com olhos ávidos os "cheques estatais" que lhes possam calhar. Recordo-me duma reportagem feita, se não me engano, pela TVI quando se abordou a questão das escolas privadas subsidiadas apesar de existir oferta pública no mesmo local. Uma diretora duma dessas escolas privadas ligada à igreja católica quando lhe foi perguntado se isso fazia sentido respondeu que, se o ensino público ficava prejudicado com isso, então paciência. É o sentido deste tipo de empreendedorismo. Muitas das IPSS's nomeadamente as ligadas à igreja católica vem com muito interesse este tipo de verbas a que se candidatam. Se o fazem é porque lhes traz vantagens ou caso contrário não o fariam, salvo algumas honrosas exceções.

 

Uma das consequências que a dita Resolução pode trazer é a de colocar as pessoas ao nível do direito de se alimentarem numa cantina duma daquelas entidades ou instituição em troca da obrigação de trabalharem, prestando um serviço, gratuito ou de utilidade, mantendo a sua família numa situação de dependência e de pobreza por tempo indeterminado. Mão-de-obra, tipo escrava, obrigada à dependência para ter um direito básico e fundamental de sobrevivência.

 

Voltamos a tempo do Estado Novo onde cada um poderá vir a ter os seus pobrezinhos de estimação onde em chás canasta se decidia qual festa de beneficência se iria promover para distribuir o refugo…

 

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publicado às 18:18



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