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Neoliberalismo alimentar contra a fome

por Manuel_AR, em 13.12.13

Tenho um enorme respeito pelo Banco Alimentar contra a Fome e pela obra desenvolvida e muitas vezes tenho contribuído quando e conforme posso. Deste modo, tudo quanto venha a dizer a seguir trata-se apenas de um comentário ao artigo de opinião de Henrique Raposo intitulado “O Banco Alimentar e o Ódio” publicado no jornal Expresso de 7 dezembro último e em nada tem a ver com a minha posição sobre

aquela meritória instituição.

Pensava eu que o assunto do banco alimentar e da dona Jonet estava encerrado e aos poucos seria esquecido, e pronto. Henrique Raposo resolveu escavá-lo novamente e voltar à luz da polémica, já desnecessária e contraproducente aos objetivos pretendidos, com uma consciência não de direita mas ao modo radical tão querido a alguns dos atuais governantes, revelando o seu o seu ódio a “uma certa esquerda” por se pronunciarem, como se não vivêssemos em democracia.

Não me considero preconceituoso nem em relação à direita nem à esquerda. Sou um cidadão comum, eleitor livre e independente de quaisquer compromissos partidários e não tenho como objetivo ficar nas boas graças de ninguém para me perfilar tendo em vista um qualquer lugar à sombra do Estado ou de qualquer governo.

Leio, sempre que posso, os artigos de opinião dos jornais mesmo que não sejam do meu agrado e, não raras vezes, concordo com alguns pontos de vista dos seus autores sejam eles conotados com a direita ou com a esquerda. Desta vez foi um artigo de opinião de Henrique Raposo que me surpreendeu pela demagogia explícita e pela adjetivação de entidades abstratas que intitula de “certa esquerda”. Respeito as suas opiniões muitas das vezes contrárias às minhas e tento, dentro do possível, ser isento na sua apreciação mas poderia não sê-lo porque não tenho as mesmas responsabilidades de um jornalista ou de uma figura pública.

Como neste caso concreto o meu ponto de vista, é contrário e diferente aos pontos de vista de certa direita poderei, por isso, correr o risco de passar a ser considerado um elemento esquerdista pertencente à “canzoada anticlerical” (leia-se cambada, canalhada) assim classificada por Henrique Raposo.

Indigna-se o autor com acontecimentos relatados por um seu familiar, a sua sogra, passados junto a um “supermercado grã-fino da cidade”. Desconhecemos os critérios para esta classificação. O caso passou-se, segundo ela, durante a campanha do Banco Alimentar contra a Fome do ano passado que, segundo ele, se repetiu novamente este ano. Teria havido “personagens” que recusaram participar na campanha e teciam frases anti caridade e anti Jonet. Devo recordar que no ano passado a senhora dona Isabel Jonet teceu comentários nada isentos, de cariz político/partidário e ideológico, sobre o comportamento do povo português alinhando, claramente, pelo discurso do Governo sobre o empobrecimento. Sim a tal dos bifes e de outras frases que passaram mais despercebidos e que continham uma nítida carga política, senão partidária.

No meu entender as declarações proferidas pela mais alta responsável pela missão daquela instituição, que sobrevive graças ao auxílio de todos, ricos, pobres, remediados, de direita, de esquerda, deveriam ser, enquanto dela representante, isentas. Fez política, tomou partido, fez juízos de valor e de intenção sobre as pessoas com o seu olhar dirigido apenas a alguns e que queria fossem ajudadas. Fez o papel de um qualquer comentador político.

Numa situação de fragilidade social e psicológica em que muitos portugueses se encontram, aos que reagem e manifestam com todo o direito o seu desagrado aos comentários mais do que inconvenientes e inoportunos daquela senhora intocável e impoluta denomina Henrique Raposo de “canzoada anticlerical”. Desconhecia que Isabel Jonet é clérigo ou que o Banco Alimentar é pertença dos clérigos.

Segundo o autor durante a última campanha deste ano repetiu-se a dose e aponta erradamente, no meu entender, o dedo a “uma certa esquerda incapaz de largar o ódio anticatólico” acrescentando ainda que “essas alminhas precisam desse ódio para pensar, é através dele que vêm o mundo, ficam cegos sem ele”.

Estas afirmações aparentam ser, para quem as lê, demagógicas e de uma análise psicossocial pouco refletida que apontam num sentido de intolerância para com os que pensam diferente, mesmo que eventualmente não tenham razão. Primeiro há que saber que “certa” esquerda é esta a que se refere. Há muitas esquerdas assim como há muitas direitas. Posso ser de esquerda e não ser anticatólico e nem anticlerical e insurgir-me contra determinadas atitudes e comportamentos; posso ser de direita e ser anticatólico e anticlerical e também reagir da mesma forma. Quer dizer, há uma mistela de ideias onde é tudo colocado no mesmo prato sugerindo generalizações perigosas e não fundamentadas a partir de uma amostragem não validada. A leitura do artigo conduziu-me à colocação de dúvidas metódicas quanto à minha existência no posicionamento político e religioso do tipo cogito, ergo sum.

Como no ano passado também me insurgi contra as afirmações da senhora dona Isabel Jonet logo, devo incluir-me na “canzoada anticlerical” e com “ódio anticatólico”. Mas, sendo eu por educação católico, apostólico romano e tendo na minha juventude frequentado um colégio de perigosos jesuítas não me poderia ter pronunciado contra as afirmações da senhora. Talvez seja um professor doutorado de uma “certa esquerda” onde não sei se me revejo porque não sei qual é. Estou confuso. Talvez seja de direita, mas assim teria que aceitar, sem críticas, todas afirmações da mesma proveniência mesmo que com elas não concorde. Penso então que talvez me reste a hipótese de ser independente e, então, poder reservar-me o direito de criticar e manifestar a minha indignação perante o que achasse de injusto, disparatado e ofensivo, de não afinar pelo diapasão nem de qualquer esquerda nem de qualquer direita, incluído o do próprio Governo. Mas, se me situar como independente não passarei sem as mesmas críticas acutilantes e ser também incluído no grupo da cambada anticlerical de certa esquerda se me insurgir contra as afirmações de determinadas pessoas ou partidos impolutos e intocáveis. Em qualquer caso estarei sempre lixado. Por isso, o melhor é ficar calado. Mas não fico. Como à senhora dona Isabel aplica-se-me pode aplicar-se-me o ditado popular que diz “quem semeia ventos colhe tempestades”, vou continuar, mesmo não sabendo em que quadro Henrique Raposo me incluirá.

Não sou, nem nunca fui, um “funcionário público” nem pertenci à “mecânica burocrática” por isso, falo à vontade. Henrique Raposo parece não ter percebido que a questão é muito mais profunda e não passa pelos centros de caridade, pela discussão simples da burocratização da ajuda à pobreza e à pré pobreza em géneros e alimentos, e se deve ou não, ser obra de solidariedade de todos.

Toda a discussão à volta deste tema é a de saber e admitir ou não se devemos encarar como inevitável o empobrecimento, a pobreza e a miséria donde nunca mais se sairá, (vejam-se alguns exemplos de países de leste, alguns deles já na EU), como algo que deve persistir e fomentar, pois dela depende a sobrevivência de muitas instituições que, por serem de solidariedade, podem receber apoios estatais provenientes dos impostos de todos. Para que não haja confusões repare-se que não disse que estou contra estas instituições!

Acho que ninguém, desde que tenha possibilidades e não seja uma alma insensível, pode recusar-se a “encher um saco para os pobres da sua rua” independentemente do quadrante político e ideológico onde se inserir.

Tenta confunde-se aqui o essencial com o acessório. A fé cristã apregoa a caridade como sendo um sentimento de ação e dedicação por outrem sem espera de recompensa mas está a querer-se tomá-la em sentido restrito e transformá-la juntamente com a solidariedade num mero tributo assistencialista de ordem material. Quer transferir-se para a esfera privada e para a sociedade a responsabilidade que deveria ser do Estado que somos todos nós porque os governos destroçaram o tecido social e empresarial há espera de um posterior milagre. Interajuda pode manifestar-se através duma redistribuição equitativa de riqueza criada pelo tecido empresarial e pelos que para ele trabalham, seja público ou privado, através dos impostos. Alimenta-se a caridade e o assistencialismo através de uma dupla tributação, a voluntária em géneros ou numerário pela prática da solidariedade ao mesmo tempo que uma parte dos impostos é canalizada para aquelas mesmas meritórias instituições que sobrevivem também através de dinheiros públicos mas que nem sempre não dão resposta às pessoas que a solicitam, crianças, velhos, pobres,… Se alguém quiser, sem ser através de conhecimentos, colocar bebés nas creches, idosos em lares pertencentes àquelas instituições ou paga, e nem isso, ou não há nada para ninguém.

O terramoto social que este governo provocou com uma rapidez nunca pensada a sociedade civil deve agora assumir, através da solidariedade, a responsabilidade arcando com as responsabilidades apoiando não apenas os mais desfavorecidos que já existiam mas também aqueles que, forçadamente, foram enviados para a miséria e a para a pobreza envergonhadas.

Pretende-se a criação e a manutenção de um assistencialismo que imana da pobreza criada neste país por um neoliberalismo feroz sem projeto a médio e longo prazo. Em lugar de envidar esforços para a criação de riqueza através da facilitação e estimulo à iniciativa privada com estímulos à criação de investimentos produtivos e competitivos para criação de emprego, sem ser apenas á custa de baixos salários, tem-se dedicado à quebra da coesão nacional, a dividir em vez de unir e a incluir, à sombra de uma pseudo-meritocracia, os que o têm apoiado na mesa da função pública.

As indignações manifestas, mais do que apropriadas devido aos comentários pouco abonatórios sobre os portugueses que só os bem instalados na vida não criticam, estão plenas de um sentimento social que também vêm da “outra direita” e outras origens do nosso quadro político (leia-se “Inteligência Social” de Goldeman).

Mais cegos do que aqueles que não veem são aquele que não querem ver.

As frases descontextualizadas enunciadas por Henrique Raposo verbalizadas em ambiente social hostil provocado pela sucessiva divisão dos portugueses através dos discursos do Governo que agora próximo de eleições tenta minorar sem o conseguir, são coisas menores face aos problemas sociais que emergiram da má governação pelos liberais e neoliberais que nada têm a ver com a social-democracia europeia. Tanto apregoam a solidariedade, a caridade e o assistencialismo não burocrata que as instituições privadas, por si só, já não conseguem acudir sem a ajuda do apoio do Estado através de transferências do orçamento. Não estará também aqui implícito o tal “decreto legislativo” através do orçamento de Estado com o dinheiro dos impostos de todos, mesmo com os dos menores rendimentos, a proceder a uma “ajuda burocrática”?

Diga-me caro Henrique Raposo, eu, que também fiquei indignado com as afirmações da senhora dona Jonet onde me inclui, se na “canzoada anticlerical”, se nos burocratas “funcionários públicos”, se nos professores doutores de esquerda, se no “esquerdismo indígena”, se na direita impoluta e intocável e servidora da pátria, se num tipo de ativista anticatólico… Pense bem e diga-me porque eu já nem sei. Arrisque se quiser, mas olhe que tem uma grande probabilidade de se enganar.

 

Com os melhores cumprimentos 

 

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publicado às 17:46



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