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Comunicações e opiniões pessoais sobre o dia a dia da política e da sociedade. Partidos, demografia, envelhecimento, sociologia da família e dos costumes, migrações, desigualdades sociais e territoriais.
Um bode expiatório ou o anátema da função pública
O problema pode ser ironicamente avaliado por duas óticas. A primeira é numa relação de trabalho e na circunstância em que, um trabalhador ao ser despedido por incompetência e absentismo, alega que a culpa é toda do patrão, porque ele até era muito bom no que fazia só que estava a sr perseguido. A segunda, é a aquela em que o patrão leva a empresa à falência por não a saber gerir, alegando posteriormente que ele não queria que tal acontecesse, mas a culpa é dos trabalhadores que não quiseram nem souberam evitar que ela falisse.
Inspirado após leitura do editorial do Jorna i de 4 de Julho de 2012
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1. Como ponto prévio devo esclarecer que, durante toda a minha vida profissional, passei por mais do que uma área de atividade sempre em empresas privadas. Nem sei o que é trabalhar na função pública, que conheço apenas quando tenho que utilizar os seus serviços. Sei bem o que é trabalhar mais do que sete horas por dia, ter mais deveres do que direitos, estar sujeito a uma pressão continuada para manter o posto de trabalho, a promoções e aumento salarial somente quando a minha produtividade e resultados o justificavam.
2. Contudo, não é por isso que devo estar de acordo com a posição de muitos comentadores, analistas políticos e jornalistas que, por pertencerem ao setor privado acham, que na eventualidade de alguma medida de combate à austeridade lhes possa vir a tocar defendem, com unhas e dentes, tal como a função pública, o seu nicho, cada um com os instrumentos de defesa e de ataque que possuem. Os primeiros, possuem instrumentos que lhes dá mais vantagem porque dispõem e podem utilizar meios mais eficazes de comunicação para difusão das suas posições.
3. Estes senhores, muitas das vezes, para defenderem os seus pontos de vista utilizam uma linguagem que só eles percebem e que apenas serve para confundir a opinião pública.
4. Argumentam os que defendem os trabalhadores do setor privado (não distingo os que ganham pouco dos que ganham muito) que estes já têm uma carga de impostos que chegue, penso que se referem ao IRS e aos descontos para a segurança social, para a qual a entidade empregadora também contribui, e, por acaso, com a parte mais elevada.
5. Os funcionários públicos, para os que não sabem, também pagam IRS e descontam para uma fundo de pensões assim como os privados.
6. Para os que não sabem, também os pensionistas pagam IRS.
7. Penso não estar enganado ao dizer que os escalões de desconto e tabelas de retenção na fonte e as respetivas deduções no IRS são iguais para todos, quer no público quer no privado e em função dos seus rendimentos anuais. Isto é, um trabalhador da função pública, do privado e os pensionistas, que tenham o mesmo rendimento anual e a mesma composição familiar, descontam o mesmo na proporção dos seus rendimentos. Ou será que existem diplomas e tabelas de IRS diferentes que desconheço? Se estiver enganado corrijam-me por favor.
8. No caso dos pensionistas o problema é ainda mais sério. Os que se reformaram com, por exemplo, 40 anos ou mais de serviço e com mais de sessenta e cinco anos de idade, tiveram um percurso profissional em que descontaram juntamente com a entidade patronal para a segurança social e fundo de desemprego, excluindo os que se reformaram muito antes da idade máxima e descontaram durante meia dúzia de anos e recebem agora reformas chorudas, são penalizados. Durante os anos em que todos eles começaram a descontar até ao momento da reforma pensaram que o Estado era pessoa de bem, e nunca previram que deixasse de o ser. Com base numa relação de confiança, os atuais pensionistas, acreditando que estariam garantidas as respetivas reformas, fizeram os seus planos pensando que essa confiança não seria posta em causa. Por outro lado, não existia a possibilidade, para a maioria dos que trabalhavam por conta doutrem, de ofertas privadas de poupança para a reforma, que viessem a colmatar eventuais falhas que, de algum modo, pudessem aliviar o Estado. Os PPR que surgiram nos últimos dez ou quinze anos não tinham, nem nunca poderiam ter uma função de substituição ou de complemento de reforma, pois que, a sua taxa de rendimento anual não daria sequer para viver um mês, nem o capital investido daria para sobrevir um ano, após o que se esgotaria mesmo baixando o nível de vida a que estavam habituados. Não, não me refiro aos que podiam investir e arriscar centenas de milhares de euros em fundos de pensões , seguros de vida capitalizáveis caríssimos, e outras formas de poupança e investimento aos quais só tinham acesso os que podiam disponibilizar verbas mensais avultadas. Além disso, considerando a média dos salários mensais seria impraticável, para a larga maioria dos trabalhadores, fazer descontos para além dos obrigatórios, para fundos que, no final do ciclo de vida de trabalho, complementassem a reforma.
9. Os que atacam a função pública são movidos para tal, do meu ponto de vista, por não terem as mesmas regalias, quer por melindre de um eventual mau atendimento, quer porque os trabalhadores da função pública são executores de uma burocracia que, diga-se de passagem, não é propriamente da sua responsabilidade mas da legislação que os obrigam a cumprir.
10. Será que os trabalhadores da função pública o são porque eles obrigaram o Estado a contratá-los e, por isso, devem ser penalizados? A resposta é: estão na função pública porque o Estado precisou deles e os contratou. Será que, nesta circunstância, deviam ter recusado para, posteriormente, não serem culpabilizados por terem aceite e não terem tido poder de adivinhação sobre o que iria acontecer? A resposta é outra pergunta: quem o faria? Será que a responsabilidade da situação a que chegámos é única e exclusivamente dos trabalhadores da função pública e dos pensionistas e que os trabalhadores do privado, nada tiveram a ver com isso? A resposta é, obviamente, que todos tivemos a ver com isso.
11. Têm razão os que dizem que, relativamente ao contrato de trabalho, a função pública tem mais regalias. Claro se atendermos às exepções aos cortes que por aí proliferaram? Têm razão os que dizem que a contratação de trabalho devia ser igual para todos, quer público, quer privado. Se assim é, então que se altere a legislação de trabalho para passar a ser igual à do privado. Em questões de saúde têm a regalia do ADSE, (que já não é para toda a família como alguns editorialistas insinuam), e o privado não tem. Então que se lute para terem um idêntico.
12. Que se deva, por tudo isto, penalizar apenas os trabalhadores da função pública e os pensionistas é, no mínimo, querer iniciar um conflito conveniente entre trabalhadores e gerações, o que se pode tornar no embrião e no limítrofe de ideologias que muitos conhecemos em tempo na Europa, embora com outros contornos. Em vez de se defender a coesão social, neste momento tão necessária para ultrapassarmos os problemas em que todos estamos envolvidos, a palavra-chave negativa é a de estimular as divisões tomando medidas que não conseguem ou não querem justificar atribuindo sempre a culpa a terceiros, sempre os mesmos, criando antagonismos desnecessários.
13. O problema pode ser ironicamente avaliado por duas óticas. A primeira é, numa relação de trabalho, a circunstância em que, um trabalhador ao ser despedido por incompetência e absentismo, alega que a culpa é toda do patrão, porque ele até era muito bom no que fazia. A segunda, é a aquela em que o patrão leva a empresa à falência por não a saber gerir, alegando posteriormente que ele não queria que tal acontecesse, mas a culpa é dos trabalhadores que não quiseram nem souberam evitar que ela falisse.
14. Há que acabar de vez com o anátema da função pública e dos pensionistas
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