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Festa do Avante-2.png

Há alguns artigos de opinião escritos por profissionais jornalistas que são para mim de difícil compreensão. Goste-se ou não do que escrevem, concordemos, ou não, cada um pode escrever o que quiser sobre o que quiser e não os podemos criticar por isso.

Quando se trata de opiniões cujo tema venha em defesa de circunstâncias justificada por argumentos que, apesar de serem aceites como válidos, possam delinear em prejuízo da comunidade, pondo-a em perigo, parece-me inaceitável. Alguns dos argumentos são falaciosos e desajustados por comparações feitas entre diferentes realidades com características específicas. Comparar praias cheias em espaços largamente abertos e sem barreiras, que não sejam as barreiras de contacto social físico, onde pequenos grupos se dispersam, com eventos políticos, religiosos ou culturais de dezenas de milhar de pessoas realizados mesmo que em espaços restritos embora amplos e heterógenos, onde a tendência é o agrupamento inevitável, parece-me absurdo.  Quem leu o artigo de Henrique Raposo publicado no Expresso diário de 10 do corrente “Avante!: dez razões para a festa avançar” fica com essa impressão, e eu fiquei.

O artigo escrito pelo “liberal” de iniciativa, é ele que se define politicamente, não sou eu. Conforme com as suas próprias palavras: “Até vos digo uma coisa: se não tivesse a Iniciativa Liberal no boletim de voto, votaria PCP nas próximas eleições.”

Vemos que, de facto, o liberalismo, defende uma liberdade pela rebeldia, como escreve Henrique Raposo: “É urgente reforçar o lado da rebeldia e da liberdade numa sociedade tão paralisada, tão medrosa, tão obediente”. O que ele omite é que, na realidade, após instalada a rebeldia para reforço da liberdade, o novo Estado daí saído reforçaria de imediato a sua autoridade para depois exercer a repressão contra outra rebeldia instalada.  Nesse novo mundo da Liberdade neoliberal seria acionada para alcançar um “sol na terra”, nome com que em tempo o falecido Álvaro Cunhal designou a URSS em determinada altura, mas agora com sinal contrário.

Em tempos graves de epidemia quando na Europa se voltam a tomar medidas mais drástica para defesa da saúde pública o artigo está impregnado de inconsciência e desprezo pela saúde do próximo. Mais parecem argumentos de Trump e Bolsonaro, mas com mais sofisticadas palavras.

Henrique Raposo coloca a tónica sobretudo nos aspetos da economia ao longo de dez razões em que algumas mais me parecem ser conotadas com: morram muitos, adoeçam milhares, propague-se a doença, mas deixem-nos fazer o que quisermos para que tudo continue como foi no passado recente. Tudo ao molho e fez em Deus. É fazer saltar o simbólico Laissez-faire do liberalismo económico fundamentalista, na sua versão mais pura de capitalismo, para o Laissez-faire, Laissez-passer na saúde pública.

Henrique Raposo defende que a Festas do “Avante!” assim como qualquer outro evento cultural, desportivo e musical deveriam passar a deixar de ter quaisquer restrições. Leitura minha errada? Talvez, mas quem lê o artigo e não esteja na cabeça do autor é o que presume.

Há alguns, muitos, que não puderam, nem podem ficar em casa confinados (#ficaremcasa segundo o autor para seguir a moda do hashtag) porque têm de trabalhar. É certo. Entretanto ao ler o artigo uma dúvida me assaltou: será que Raposo não esteve confinado no acolhimento do seu lar escrevendo os seus artigos em segurança enquanto outros tiveram de sair de casa para os poder publicar, tratar da edição e fazer a impressão do jornal para onde escreve?

 Os argumentos utilizados pela direita radical liberal são argumentos semelhantes aos de alguma esquerda radical como o são, nesta matéria, alguns dos publicados por Raquel Varela que tive oportunidade de ler no seu blog durante março e abril. Defendem o mesmo contra as medidas de exceção, mas de sinal ideológico contrário. Aqui os extremos também se tocam.

Quando os da Iniciativa Liberal falam em Liberdade confundem o conceito para baralhar quem os escuta. O liberalismo económico sempre utilizou o conceito de liberdade absoluta para os da alta finança e, para outros, liberdade, mas pouca. Para isso, e se tal for necessário, coarta todas as outras liberdades e direitos. Os únicos direitos que defendem são a liberdade e o direito à obtenção de riqueza por qualquer meio, sem regulação, e o direito e a liberdade para a manutenção da pobreza e da liberalização do mercado de trabalho sem quaisquer restrições, porque deles depende a sua sobrevivência.  

Os neoliberais, ou aqueles que se intitulam de liberais, que nos seus discursos demagógicos e populistas usam a palavra liberdade e combatem a instituição do Estado democrático, porque querem que gaste pouco e cobre pouco, ou seja, que tenha pouco poder. Estes senhores ou não entenderam o que é o liberalismo e como temos de proteger as liberdades individuais no séc. XXI, combatendo os seus verdadeiros inimigos; ou só querem iludir as pessoas porque têm como cúmplices aquela pequena minoria que está a acumular todo o poder económico e financeiro para beneficiarem com o definhamento dos Estados democráticos.

Nas democracias liberais o Estado não é visto como um inimigo, é um catalisador e um regulador das liberdades individuais, isto é, de uma boa distribuição dessas liberdades por todos.

João Miguel Tavares, sendo de direita, também não entende a realização da Festa do “Avante!”  neste momento o que o leva a comentar no jornal Público: “Em bom rigor, até podemos dizer que esta Festa do Avante! é uma iniciativa antissistema; uma rebeldia contra a ditadura do medo na era covid. Infelizmente para o PCP, só mesmo os seus militantes e alguma direita (ler, por exemplo, o texto de Henrique Raposo no Expresso: “Avante! dez razões para a festa avançar”) é que conseguem ver a coisa dessa forma. O português comum olha para aquilo com o ar de que os comunistas se acham mais do que os outros e reclamam privilégios que estão vedados ao comum dos mortais. E assim, para o PCP ganhar mais umas massas, o Chega vai ganhar mais alguns votos. É um mau negócio.”

O autor Henrique Raposo é um dos que diz ser liberal que vem em defesa do PCP e da sua festa, que passou a ser, por conveniência, um evento político. Os liberais que apregoam serem contra o Estado social e são pela baixa de impostos e contra toda a espécie de estatização em nome dos sistemas financeiros e os outros que defendem o contrário em nome da justiça social. Vamos lá entender esta gente dos liberais. Há um motivo: atacar utilizando a pandemia o PS e o Governo.   

Enfim, os argumentos de alguma direita radical mais parecem estar a fazer oposição ao governo e às medidas que têm sido adotadas para combate e minimização da covid-19 e são os mesmo que defendem a total liberdade em tempo de pandemia e que, caso esta ficasse sem controle, atacariam o poder por este não ter tomado medidas. Conhecemos muito bem o jogo.

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publicado às 16:52

Os liberais e o Estado mínimo

por Manuel_AR, em 07.04.20

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Menos Estado melhor Estado, slogan neoliberal que ouvimos, não há muito tempo (2011-2105), dizer os que agora reclamam por mais Estado.

Momentos de crise como esta em que vivemos hoje evidenciam momentos que também são dados à reflexão e em que os governos são mais solicitados para darem soluções para a população e uma resposta efetiva que só pode ser dada pelo Estado se for forte e com capacidade de controle.

Não sou, nem por sombras, um radical de tudo estatizado e ainda menos da coletivização. As empresas criam postos de trabalho, mas têm de dar lucro que é motor para o investimento privado, mas sabemos que os grandes empresários e investidores importam-se em primeiro lugar com os seus lucros e o bem-estar das pessoas não é prioridade, por isso há que haver mecanismos de controle. O mesmo se passa com a saúde.

Hoje publico aqui um texto que retirei de outro blogue que acompanho e que me pareceu em alguns aspetos muito interessantes e atual, embora um pouco radical, apenas coloquei um título diferente para diferenciar do original que incluo abaixo.

E se houvesse menos Estado?

(Joaquim Vassalo Abreu, 04/04/2020)

Desde logo não teríamos o SNS que temos! A Saúde e o acesso aos cuidados médicos seriam assim tipo EUA: tem direito (proporcional) quem melhores seguros tem e quem não tem…pois…

Só que há aqui um pequeno pormenor que eu reputo de “pormaior”: Nenhum deles contempla Epidemias ou Pandemias!  Como ficaríamos então?

Do mesmo modo quando nos queriam impor que as nossas Reformas fossem pagas num sistema variável, uma parte indexada aos nossos descontos para a Segurança Social e outra a Fundos e coisas mais…. Como estariam elas agora, seus Liberais de pacotilha?

Nos incêndios: seriam todos os Bombeiros profissionais? Quem lhes pagaria? O Estado? O Estado que dizem que falhou? Mas com eles…, mas, com “menos estado”, quem se aventuraria a atear quinhentos fogos num só dia para depois virem dizer que o “Estado falhou”?

Agora, por exemplo: as Reformas indexadas a Fundos diversos, nesta época e noutras ocasiões de autêntico “crash”, como ficariam? 

E os subsídios de Desemprego ou Assistência Social, seriam à Americana?

E a Saúde perante esta Pandemia? À “la” Brasileira Bolsonariana?

“Menos Estado” sempre apregoaram apelando ao Estado quando mais necessitaram…é um clássico, grandes e eméritos “Liberais” de pacotilha…

Mas não me esqueço de 2015 quando Passos apregoava a recuperação económica, esquecendo dramaticamente a situação da Banca, cuja resolução enviou para debaixo do tapete (Novo Banco, Banif, Montepio, Caixa Geral de Depósitos), numa irresponsabilidade sem nome.

 Mas fazendo o que sempre outros fizeram é verdade, deixando sempre a responsabilidade para os vindouros, esses “filhos da mãe dos vindouros”, como arremessou furiosamente o ZÉ Mário no FMI, defendeu, em pleno debate com António Costa, um corte nas Pensões de 600 milhões nas Reformas…

Deviam corar de vergonha, mas isso é atributo que nunca possuíram esses “Liberais” de pacotilha!

Felizmente que, logo a seguir, veio alguém que tudo enfrentou, mas com Estado e absoluto sentido do mesmo, e que a tudo ocorreu e conseguiu equilibrar o que para eles, esses Liberais de pacotilha”, remédio não tinha! Coisa que o “menos estado” nunca faria! Mas endereçaria para os mesmos de sempre o seu ónus: os Contribuintes…Mas baixando salários e pensões, a sua única imaginativa solução!

Mas há que recordar para ser justo e honesto: Mas que faria agora o “Menos Estado” perante uma situação destas, a desta Pandemia, ainda por cima “democrática” pois não escolhe entre ricos e pobres, famosos e incógnitos, crentes ou não crentes, gordos e magros, magnatas ou refugiados, do sul ou do norte…? Que faria, afinal?

Cobraria milhares de EUROS por um teste como na sua sacrossanta América, onde nem os Seguros isso asseguram? Já sei: mandá-los-iam para o Público, o do “menos Estado” que, perante falta de receitas e dotações, seria depois apelidado de ineficaz…e de falhado! “Liberais de pacotilha, fariseus de “Trampa”.

Eu sugiro, finalmente, que os Marques Mendes, os Paulo Portas,  os José Júdice, os Gomes Ferreira e todos os que se apelidam “Liberais” nesta vida, esse enorme saco de gatos onde nenhum assume ser realmente gato e antes se acham onças, formem um governo…assumam responsabilidades…deem o peito às balas, passem da retórica à prática e façam em definitivo o exame final, aquele do qual, não tenham dúvidas, não sairão com outro título, agora já não de   “Liberais de pacotilha” , mas de “ Liberais da “Trampa”! Nada de mais justo…

Mas esqueçam e ao mesmo tempo recordem: “Esta vida “, como dizia Che Guevara, “não é para moles”! Mas é para Poetas, digo eu!

Pois como escreveu PABLO NERUDA: “Entretanto trepam os homens pelo sistema solar… Ficam pegadas de sapatos na Lua… Tudo se esforça por mudar, menos os velhos sistemas… A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranha medievais… Teias de aranha mais duras que os ferros das máquinas… No entanto, há gente que acredita numa mudança, que praticou a mudança, que fez triunfar a mudança, que fez florescer a mudança…. Caramba!… A Primavera é inexorável!

Sim, a Primavera é inexorável!

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publicado às 16:11

Ricos e pobres2.png

Dediquei-me ultimamente a ler os programas (diria antes propagandas eleitorais) de dois partidos que vão ter assento na Assembleia da República, o Chega e o Iniciativa Liberal. Não admira que alguém que tivesse lido com atenção o programa do Iniciativa Liberal tenha colocado aí o seu voto, tal é aliciante devido à sua característica de rol de ofertas para proporcionar a venda do produto qual página de folheto de supermercado.

Este programa no contexto ideológico em que ele se insere conduziu-me a refletir sobre o problema da pobreza, as diversas discussões que se têm abordado e sobre as explicações sociológicas da mesma. Mas antes vejam este video.

 

Há autores que identificam, quer o percurso do neoliberalismo, quer o do liberalismo económico, como uma grave ameaça à democracia e à liberdade política, assim como o comunismo revolucionário defendido pelo marxismo-leninismo que conduziria ao totalitarismo são contrárias às propostas levantadas pelo socialismo liberal ou liberalismo social.

O socialismo liberal democrático inclui princípios liberais e democráticos sem pretender suprimir a economia de mercado nem o capitalismo em favor de uma economia estatizada.  O Estado liberal difere do Estado social liberal de Direito. O primeiro visa sobretudo garantir a liberdade e a propriedade privada e o segundo pelo contrário é mais abrangente porque, para além de defender a propriedade privada e a economia de mercado é complementado com uma economia mista, a propriedade pública e a propriedade privada dos bens de capital e intervém também na vida económica, nomeadamente ma segurança social. Isto é, não deixa o cidadão à sua sorte tal como faz o liberalismo radical e tal como pretendem o partido Iniciativa Liberal e o Chega.

Para os radicais do liberalismo toda atividade do Estado, quer política, quer económica, deve ter como objetivo criar uma situação que possibilite aos cidadãos desenvolverem as suas qualidades como pessoas, cabendo aos indivíduos, singularmente impotentes, buscar solidariamente em conjunto este fim comum.

As diferenças apontadas conduzem-nos á questão da riqueza e da pobreza que se refletem de forma diferente em cada uma das matrizes ideológicas de cada um deles.

Vejamos então as duas visões:

Liberalismo radical 

Socialismo liberal democrático

Teoria da culpabilização da vítima.


Os pobres são responsáveis pela sua própria pobreza. É transmitida entre gerações porque os jovens desde cedo não têm razões para aspirar a mais.
• Existe uma cultura de pobreza entre os pobres. Resultado da atmosfera social e cultural onde as crianças são socializadas.

 

Teoria da culpabilização do sistema.


A pobreza é produzida e reproduzida pelas forças estruturais da sociedade.
• Cultura da dependência. Os pobres dependem da segurança social.
• Ênfase nos processos socias que produzem condições de pobreza.
• Grandes dificuldades de superação.
Fatores que moldam a forma como os recursos são distribuídos:

Classe
Género
Etnia
Posição ocupacional
Escolaridade

Geram cultura de dependência

Pobreza e subclasse geram desvantagens

• Múltiplas privações
• Baixas qualificações escolares
• Baixos padrões de saúde
• Elevados níveis de vitimização criminal

Reduzem as hipóteses de integração social, política e económica.

 

O neoliberalismo - a ideologia económica dominante desde os anos 80 - tende a defender uma abordagem de mercado livre para a formulação das suas políticas: promovendo medidas como privatização, cortes nos gastos públicos e desregulamentação. Geralmente é contra o setor público e acredita que o setor privado deve desempenhar um papel maior na economia e que o mérito e o empreendedorismo são a única via.

No entanto, "Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, comprometendo a expansão durável", afirmam os economistas do FMI num relatório que redigiram em 2016.

O partido Iniciativa Liberal insere-se precisamente no âmbito das ideologias radicais do liberalismo populista, pior ainda do que o neoliberalismo, o que confina com a tese e de Hall (2017) por estar longe de excluir pontos de vista autoritários e conservadores que legitimam a desigualdade económica para garantir a estabilidade social. A ideologia neoliberal promove a indiferença para com a situação dos mais desfavorecidos - as "rainhas de bem-estar" [1] na frase memorável de Reagan - tanto quanto a ideologia socialmente conservadora promove a indiferença à situação das minorias raciais e étnicas.

Pela pior das razões, o neoliberalismo é uma ideologia que culpabiliza a vítima, neste caso os mais desfavorecidos e os pobres como sendo os responsáveis pela sua própria pobreza e, ao fazê-lo, isenta instituições e pactos sociais, económicos e político do capitalismo. Isto é, não se opõe a seguir pontos de vista autoritários que uma sociedsde socialmente conservadora.

É uma ideologia, por excelência, justificadora do sistema. George Monbiot,  um colunista do jornal The Guardian e autor de “Feral, The Age of Consent and Out of the Wreckage: a New Politics for an Age of Crisis” (Selvagem, A Idade do Consentimento e Fora dos Destroços: uma Nova Política para uma Era de Crise) escreveu em 2016: "os ricos persuadem-nos de que adquiriram a sua riqueza por mérito, ignorando as vantagens — como  a educação,  herança e  classe — que podem ter ajudado a fixá-la. Os pobres começam a culpar-se pelos seus fracassos, mesmo quando podem fazer pouco para mudar as suas circunstâncias."

No site da Presidência Marcelo Rebelo de Sousa afirma que é necessário combater a pobreza “caso a caso, pessoa a pessoa”, como “um fenómeno mais global, de múltiplas causas, e abordagem transversal” e “com estratégia, juntando meios públicos e privados, experiência social e solidária, inspirando cidadãos para a causa de um Portugal mais justo e coeso”.

“Há tanta gente que mesmo trabalhando não consegue sair de uma situação de pobreza, percebemos o longo caminho que ainda temos para percorrer. E são mais de 10% os que não conseguem sair da pobreza apesar de estarem no mercado de trabalho” escreve Filipe Soares num artigo de opinião no jornal Público.

Foi a crise política que resultou do neoliberalismo que causou a crise económica e financeira de 2008.  À medida que o controle e a regulação pelo estado são reduzidos, a nossa capacidade de mudar o curso das nossas vidas através da votação também se contrai conduzindo um grande número de pessoas a desinteressar-se da política levando à abstenção ou na votação em partidos populistas.

Pode ler também:

Bárbara Reis, “Os novos liberais só têm ideias velhas”.

Pedro Miguel Cardoso, “A pobreza da riqueza”.

[1] Linda Taylor foi uma criminosa mais conhecida por uma fraude de bem-estar em larga escala e ficou conhecida como a rainha do bem - estar durante a eleição presidencial dos Estados Unidos, em 1976. Taylor era uma mulher branca que costumava fazer passar-se por diferentes raças, com diferentes pseudónimos e idades, a fim de aumentar sua atividade fraudulenta nos sistemas de assistência social de vários estados no EUA

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publicado às 18:53

Sonhos e ficção nas narrativas políticas

por Manuel_AR, em 07.11.18

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Em tempos tive de contactar com a área disciplinar da linguística e na altura interessei-me pelas teorias de Noam Chomsky naquela área de investigação, mas também pelas suas convicções políticas. Para algumas mentes delirantes é considerado um perigoso comunista americano. Foi ele que desenvolveu a Gramática Generativa que nos anos de 1975 e seguintes foi incluída na disciplina de Português em muitas escolas a reboque das grandes reformas na educação e dos conteúdos programáticos e que foi abandonada alguns anos depois por uma contrarreforma educativa.

Com 89 anos escreveu em 2017, já com Donald Trump na presidência, sobre o sonho americano que diz ter acabado e defende que “hoje, o sentimento generalizado é o da que nada tornará a ser como era”. Refere-se ele aos Estados Unidos da América confirmado pelas notícias que nos chegam através da própria comunicação social daquele país durante o mandato de Trump que, hoje, lá conseguiu mais uma diminuta vitória no reforço do Senado com mais dois ou três senadores.

Se observarmos, situação idêntica ao sonho americano, a que podemos chamar “sonho europeu” acontece também na nossa União Europeia e, delimitando a localização, o mesmo se vai passando também no nosso país sempre que a direita ocupa o poder e proclama a necessidade de aplicação das tão faladas reformas estruturais. Claro que estas reformas são interpretadas de modo e sentido diferentes consoante os governos são mais à esquerda ou mais à direita.

Foi a partir de 1980 que Reagan nos EUA e Thatcher no Reino Unido iniciaram a escalada do neoliberalismo com a implementação das políticas de enriquecimento dos já então muito ricos com prejuízo da maior parte da população. Este princípio da ideologia neoliberal tem como postulado que através de políticas de enriquecimento dos mais ricos a economia avança e será geradora de investimento e de emprego. Ou seja, através da concentração de riqueza na pequena percentagem da população que é um grupo cada vez mais próspero.

A redução dos impostos é defendida para as classes sociais mais ricas e para as empresas com lucros avultados, as chamadas pessoas coletivas, com argumentos dos neoliberais a pretexto de que aumentará o investimento e, consequentemente, o número de empregos. Onde se encontram dados estatísticos concretos que não seja apenas intuição da direita que ateste aquela afirmação? Antes pelo contrário, a uma redução de certa percentagem de imposto não corresponde investimento ou criação de posto de trabalho que esteja correlacionados. A redução de imposto contribuirá para a distribuição da massa a serem  distribuídos através de dividendos. Devo notar que não estou contra o lucro e a rentabilidade das empresas porque são elas juntamente com o trabalho que geram riqueza, por isso não se confundam as questões. É o próprio sistema neoliberal que potencia que os investidores sejam aconselhados a concentrarem os seus investimentos em benefícios da pequena parte da população que são os já muito ricos.

Sempre que há eleições num país o discurso político vai no sentido da promessa concretização dos sonhos de cada um ou de cada grupo ou, de forma mais alargada, duma classe social. É a narrativa do se votarem em mim poderão recuperar ou conseguir o vosso sonho, na prática, mesmo que pelo discurso da negativa. Concretamente foi o que aconteceu nos EUA com a campanha de Donald Trump. A mensagem é ouvida mesmo que seja passada por aqueles que estão a destruir os sonhos. Em menor escala já passámos por isso no nosso país e iremos voltar a ouvir tanto mais quanto mais próximos das eleições. A exploração do que possa haver de mais negativo numa sociedade como ódios, escolha de bodes expiatórios, xenofobia, racismo e a utilização do medo e a da ameaça não é de agora a história tem-nos mostrado que já foram utilizadas essas estratégias mas agora foram copiadas, reconstruída e adaptadas anovas realidades.

Quando nos falam das desigualdades em que vivemos não se referem às desigualdades individuais, (entre eu e tu), nem sociais, porque essas existem e existirão sempre. Quando se fala nas desigualdades a que assistimos é na global e, particularmente, em cada nação, resultante da riqueza extrema de uma parte ínfima da população que representa apenas 1% do total. É a desigualdade fruto da super-riqueza de alguns resultado das políticas sociais e económica proveniente de transformações pele implantação de políticas neoliberais dos últimos trinta anos.

As políticas dos governos liberais e neoliberais colocam em prática o que já Adam Smith disse no século XVIII “tudo para nós, nada para os outros”.  Escrevia ele num contexto da época e referindo-se ao sistema feudal: “But what all the violence of the feudal institutions could never have effected, the silent and insensible operation of foreign commerce and manufactures gradually brought about. These gradually furnished the great proprietors with something for which they could exchange the whole surplus produce of their lands, and which they could consume themselves without sharing it either with tenants or retainers. All for ourselves and nothing for other people, seems, in every age of the world, to have been the vile maxim of the masters of mankind. As soon, therefore, as they could find a method of consuming the whole value of their rents themselves, they had no disposition to share them with any other persons. (Chapter IV: How the Commerce of the Towns Contributed to the Improvement of the Country). “(Ver tradução no final).

As reformas estruturais tão apregoadas pela direita neoliberal que tem como alvo preferencial a classe média e minorias não são mais do que as políticas governamentais tomadas com base numa intenção contrária à vontade da população que, apesar disso, vota nos que defendem tais políticas. É o efeito das democracias plurais que continuam ainda a ser o melhor dos regimes políticos apesar de, para alguns, serem um grande pesar.  É frequente citarem em defesa da democracia a Grécia Clássica como sendo o berço da democracia, todavia a democracia estudada por Aristóteles referia-se apenas às cidade-estado como Atenas sendo uma democracia limitada pois era apenas destinada aos homens livres, apenas os considerados como cidadãos atenienses, que podiam exercê-la excluindo outros como os escravos.

O sonho da classe média e média baixa reside na possibilidade de qualquer um conseguir um bom emprego, comprar uma casa, adquirir um automóvel, custear os estudos dos filhos, etc.. Tudo isto se desmoronou no tempo da crise, basta olharmos para a Europa e particularmente para Portugal onde aquele tipo de sonho acabou com a intervenção de assistência internacional, com o endividamento excessivo do estado, das empresas e das famílias, o que foi aproveitado para imporem as já bem conhecidas políticas neoliberais criadoras de emprego e de riqueza.

No que respeita à educação quer liberais, quer neoliberais, em suma, as novas direitas emergiram por efeitos da globalização, aprovam e sustentam os modelos das parcerias público-privadas ou do cheque ensino para apoio às escolas privadas. Estas propostas servem sobretudo para o crescimento do sistema privado de ensino e um esforço disfarçado de destruir paulatinamente o sistema de ensino público. São uma maneira de atrair fundos públicos para instituições privadas, debilitando assim o ensino público sendo muitas delas pertença ou associadas a instituições da igreja católica. Consequentemente o argumento falacioso para a manutenção destas parcerias é o aproveitamento melhor dos alunos, portanto, destruam-se as instituições de ensino público.

Quem não estiver de acordo com o pensamento liberal e neoliberal nesta e noutras áreas é logo apelidado de esquerdista ou “esquerdalho”, termo preferencial dos apoiantes da direita aqui neste nosso Portugal. Também na ex-União Soviética os dissidentes das ideias do regime eram apelidados de «antissoviéticos», o mesmo se passou nos EUA no tempo do Macartismo entre 1950 e 1957 onde eram apelidados de «antiamericanos» os que não fossem concordantes com o regime. Ambas são noções totalitárias. Em todas as sociedades os críticos dos regimes liberais através de meios ao dispor fazem os possíveis por caluniar os seus adversários políticos, mas não ficamos por aqui porque alguns da esquerda também não se acanham de fazer o mesmo com a direita. Isto também são tendências totalitaristas.

Tenho criticado sobejas vezes as inoportunas e exageradas reivindicações salariais para a função pública levadas a efeito por sindicatos e centrais sindicais. Mas o certo é que a política destinada a aumentar a insegurança no mundo do trabalho aumentaram substancialmente quando as direitas liberal, neoliberal e conservadora governaram o país com a troika. A justificação então dada, e que ainda hoje serve de argumento, foi poder facilitar a captação e atração de investimento e a capacidade que tal medida tem para a criação de postos de trabalho. Isto é, numa outra leitura parece que a insegurança dos trabalhadores é um fator essencial para os ter sob controlo e evitar reivindicações e greves e a sua associação em sindicatos.

A insegurança relativamente à manutenção dos postos de trabalho conduz inevitavelmente à aceitação de qualquer tarefa com salários e condições de trabalho por vezes indignas e sem capacidade reivindicativa. Isto a qualquer nível de atividade. É a isto que alguns economistas liberais chamam contribuir para uma economia saudável.

 

 

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publicado às 15:52

A Conspiração

por Manuel_AR, em 02.10.16

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Se alguém for de esquerda, moderada ou não, terá mais é que se converter. Se for católico, mas tiver ideias de esquerda converta-se na mesma.

Antes de começar a escrever este "post" pensei se deveria ou não fazê-lo, dado a náusea que me causa comentar as declarações patéticas dum sujeito que se deve julgar uma sumidade em economia política. Questionei-me se seria  merecido qualquer comentário dum simples cidadão desconhecido que em tempo colocou aqui um texto intitulado “Injustiçado ou perda da razão” sobre o douto professor. Gastar o meu tempo com ele seria continuar a dar-lhe importância, mas, por outro lado, não ficaria bem comigo se perdesse a oportunidade de lhe chamar alguns imagináveis e não explícitos nomes à boa maneira diplomática. Refiro-me ao senhor César das Neves, professor na Universidade Católica, cuja cristandade e consequente caridade andam muito afastados do seu pensamento hipócrita. Percebe-se pelas enormidades contraditórias que lança por aí.

As contradições entre o que diz e o que pensa são abissais. Quando numa entrevista foi confrontado com algumas afirmações do Papa Francisco, confundiu, baralhou, refugiou-se em questões retóricas que não se colocam nem estão implícitas em afirmações do Papa e tenta falaciosamente reconstruir a realidade.

Quando confrontado com questões objetivas desvia-se da objetividade refugiando-se em lugares comuns como defesa para a fragilidade dos seus argumentos. É o homem do talvez, e do não tanto. A ambiguidade é a sua arma de defesa.

Adoro uma boa teoria da conspiração, mas este sujeito passa das marcas ao afirmar enormidades como "Reformados e funcionários públicos controlam a política e a comunicação social". Ele deve estar enganado, mais parece ser o contrário, porque eu não vejo em nenhuma comunicação social nem reformados, nem funcionários públicos a fazer declarações nem a ocupar primeiras páginas de jornais nem canais de televisão.  É uma patológica falsa realidade por ele imaginada gerada por ódios pouco dignos de quem se diz um convicto cristão.

Fazer declarações polémicas desta espécie é ser um porta-voz em Portugal do pior que tem o neoliberalismo, embora afirme que não é neoliberal, nem sequer é liberal. Então afinal o que é?

César das Neves disse nas jornadas parlamentares do PSD em fevereiro de 2016 que "o país é mesmo socialista. Todos os partidos, do CDS ao Bloco de Esquerda, é tudo socialista". Esta frase terá várias leituras. A minha é simples, não sendo ele socialista, dizendo que não é liberal nem neoliberal, logo, um bom governo será uma ditadura de ultradireita. Aliás, muitas das suas afirmações parecem defender esse tipo de regime para Portugal. Aliás uma prova do que afirmo é está num comentário sobre um artigo que ele escreveu em 2013 e que pode ver em Mas que filme é este?

O oportunismo deste senhor é tal que aproveita o momento da visita do Papa Francisco a Fátima para lançar um livro onde se prevê desde já seja uma deturpação tendenciosa do que este Papa tem declarado.  “Os revolucionários querem usar o Papa como arma de arremesso”, disse numa entrevista. É uma tendenciosa inversão dos factos e o pressuposto da ignorância dos outros. Faz afirmações que não podemos aceitar como verdadeiras, porque acha que não se pode provar que é falso o que diz. Vejamos então. Será que alguns dos princípios e ideias do Papa Francisco que têm sido divulgadas são originais e nunca ninguém as pensou ou se pensou não as disse?

Sobre o assunto afirma que “a direita quer manter o que tem e os outros estão a atacar. Neste momento, a esquerda está em crescendo, o problema é uma crise do capitalismo. Temos a direita a resmungar que o Papa é desagradável, mas não se atrevem a dizer mal dele. Mas a esquerda está contente, não para se converter e ouvir o Papa como pastor, mas para o usar como arma de arremesso”. Reparem na palavra converter. Se alguém for de esquerda, moderada ou não, terá mais é que se converter. Se for católico, mas tiver ideias de esquerda converta-se na mesma.

A sua política, diz César da Neves, é a defesa da doutrina social da igreja, mas, ao mesmo tempo, acha que é preciso cortar nas reformas e nos salários da função pública. A conspiração deve ser uma das suas missões, pelo menos no que toca àquelas duas parcelas da sociedade, já que, segundo ele, são estes grupos instalados que controlam a nossa política e os nossos jornais. Quando se lhe pede uma explicação sobre qual o grupo de reformados tem jornais e a resposta é nada e vazia “Eu não vejo é ninguém a falar contra esses interesses instalados e preocupado com a criação da riqueza”.

Quando se pergunta a este professor da cadeira de História do Pensamento Económico na Universidade Católica se acredita que há uma ciência económica única e não várias abordagens responde que “talvez”, mas não tanto” e acrescenta o seu grande pensamento dizendo que “todos os modelos de compreensão da realidade são errados, mas alguns são úteis”. Poderá perguntar-se se será útil o que está errado, a não ser a utilidade para demonstrar que está errado? E se são úteis em quê e para quê? É claro a sua verbosidade é tal e inconsequente que até origina uma confusão mental em quem o lê.

Então mete-se por campos filosófico e diz que “a realidade não existe”, e retifica, “o que nós sabemos da realidade é uma apreensão humana”. A sua bazófia é tal que encaixa os factos que o circundam na sua própria definição de realidade em vez de fazer o contrário.

Para esta lente de sabedoria a todos os graves problemas económicos e sociais em Portugal e no Mundo se deve “responder com a doutrina social da Igreja: temos de responder recusando a luta de classes e, pelo contrário, falando na harmonia das classes; nós temos de criar uma integração daqueles que estão a ser marginalizados pelo processo…”. Se, por um lado, coloca a sociedade contra os reformados e os funcionários públicos, tomando-os como algo a marginalizar e a sair fora do processo, por outro, fala de integração de quem está a ser marginalizado pelo mesmo processo.

Baseia-se na doutrina social da Igreja e diz que é revolucionária, mas acrescenta que ela é revolucionária no sentido da mudança de corações, que é a única forma que garante a mudança do sistema. Refugia-se na confusão da espiritualidade teológica e nas palavras sem clareza que diz, apontam o caminho da mudança dos corações. E a praxis onde fica? Nada deve mudar, mas tenham esperança e fé.

Vejam a maravilha de resposta quando lhe foi pedido o que tinha a dizer sobre o que disse o Papa Francisco quando “chamou aos movimentos sociais, que convidou a colocarem a economia ao serviço do povo, “semeadores da mudança”, e nesse grupo estavam movimentos como os Sem Terra do Brasil.” Resposta clara e esclarecedora: “Sim, muitos deles ligados à Igreja. Estão lá a evangelizar. Estão lá a falar a favor dos pobres e em nome de Jesus Cristo. Estão lá a fazer aquilo que a Igreja está a fazer há muito tempo.”.  Isto é, à pergunta disse nada. Ficaram esclarecidos? Sim? Ainda bem porque eu não.

E mais não digo porque, enquanto cidadão comum e pertencente à grande massa de ignorantes, não tenho categoria para comentar este omnisciente.

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publicado às 17:56

Ideólogos.png

Para quem escreve Paulo Rangel do PSD? Para quem, do povo, menos iletrado, o leia e não percebe patavina. É um discurso hermético apenas para alguns eleitos a quem provavelmente se dirige.

A sua retórica é a de alguém que procura exibir um conhecimento intelectual levando leitores a desistir da sua maçadora prosa. Eu, cá por mim, não me considerando, de todo, um desses eleitos e iluminados a quem os seus textos parecem dirigir-se lá vou tentando fazer um esforço para o ler e compreender.  

O último artigo desse supremo intelectual e ideólogo da política neoliberal por onde enveredou o PSD é um caso paradigmático do que acabo dizer. Na amálgama de conceitos sócio-político-filosófico-partidários o leitor desprevenido, e, como escrevi em parágrafo anterior, sem a formação adequada perde-se pelos diversos e complexos conceitos da política do partidarismo e da sociologia sem tirar conclusão plausível, mantendo-se em explicações e argumentos já cansativos que volvem sempre ao passado onde não se vislumbra qualquer projeto para o futuro, ainda que o seu líder tenha utilizado no último congresso o chavão “Social-democracia sempre”.

Paulo Rangel, desde qualificar o PSD como partido que não é de massas mas um “partido de eleitores” de “abertura” e de “adaptabilidade” do seu “leque ideológico” lá vai dizendo que os “eleitores e militantes não são atraídos por um programa” e devem ser os “produtores de um programa que os atrai”. Se bem se percebe aos eleitores e simpatizantes do PSD não interessa uma ideologia, um programa, um projeto, são eles que o irão construir ao votar no desconhecido.   

Mas vejamos esta complexa e ambígua frase que caracteriza o seu discurso: “Os eleitores e militantes não são o propriamente atraídos por um programa; eles foram e são – e, questão decisiva no futuro, devem novamente ser - os produtores de um programa que os atrai. Dito de um modo mais apelativo: no PSD, os simpatizantes e os militantes não veem um programa, eles revêem-se no programa - porque o programa é pela própria elasticidade genética ou constitucional (constitutiva) do partido, de algum modo, um reflexo ou uma refracção da afinidade sociológica da sua composição.”

Tudo isto para dizer que simpatizantes e militantes revêm-se no programa do PSD. Eles não veem um programa, reveem-se nele – diz ele. Fantástico!

Atenção, isto não fica assim, porque vai deambular para a sociologia eleitoral caracterizando a base de apoio do partido afirmando que, ao contrário do que escreveu anteriormente, não se pode “enganosamente” caracterizar o partido “como um partido de classe” (classe média, de feição pequena e médio burguesa ou de pequena e média propriedade rural e de uma boa parte das profissões liberais ou com formação universitária…) e que, se assim fosse, agora recorrendo a Marx, afasta o PSD desse cálice. Nada disso porque, a ser assim, o PSD seria uma instituição encarregada de politicamente zelar e velar por esse agregado de interesses e valores.

Basta olhar para as estatísticas eleitorais ao longo dos anos e para trabalhos estatísticos no âmbito da geografia eleitoral como por exemplo “Comportamento eleitoral e o voto através de indicadores regionais nas eleições de outubro de 2015: Uma análise geográfica do voto” que mostra que é precisamente nas regiões onde esses eleitores, de feição pequena e médio burguesa ou de pequena e média propriedade rural e camponeses de parcos recurso como ele diz, se concentra em maior massa o eleitorado do PSD.

Mas lá vai argumentando Rangel que, “Sem nunca desdenhar da pertinência duma análise social e até da categoria “marxiana” da classe social – análise, em todo o caso, sempre parcelar, relativa e redutora – não é esse o traço que aqui se pretende realçar. Por mais dialética que se reclame, uma análise de classe seria, hoje e irremediavelmente, uma análise estática, conservadora, imobilizadora.”. Essa categoria “marxiana” (neologismo inventado pelo super intelecto ideólogo do partido) não é mais do que um contrassenso.

Rangel vê em Marx o imobilismo? Se assim for, então qual a finalidade ideológica da contínua luta de classes que Marx preconizava senão a de potenciar, através da luta permanente, (do meu ponto de vista, hoje em dia, essa apologia da luta de classes é destrutiva e injustificada da forma como partido mas radicais a propõem), em que uma classe ascende a outra sem olhar a meios para tingir os fins, em direção a uma sociedade sem classes, essa sim conduzindo ao imobilismo? Sem que Rangel se aperceba o imobilismo talvez esteja mesmo no PSD com Passos Coelho na liderança. Mais ainda, esse tal eleitorado do PSD tem-se mostrado ao longo do tempo com uma instabilidade eleitoral conjuntural.

Poderíamos continuar por este caminho, mas o título do artigo de opinião de Paulo Rangel publicado no jornal Público de 12 do corrente diz tudo: “Mobilidade social: um desígnio para o PSD pós-troika (2)” que pode resumir-se, segundo as suas próprias e demagógicas palavras proclamadas no último congresso do PSD, a que “o partido deve fazer da mobilidade social a sua “grande bandeira para os próximos anos” e considerou que está na hora de Portugal deixar de ser “o país dos doutores” e “virar a página na estratificação social e na estrutura elitista e aristocrática da sociedade portuguesa”.

Não tenho a certeza se Rangel, licenciado em Direito pela Universidade Católica, sabe o significado do conceito sociológico de mobilidade social, algo complexo que, lançado para o ar, pode levar à confusão. Mobilidade social entendendo-a como sendo movimento de indivíduos entre diferentes posições sociais. Este mesmo conceito divide-se ainda em mobilidade vertical e mobilidade horizontal. A qual delas se refere Rangel? Será à mobilidade vertical definida como movimento ascendente ou descendente na hierarquia de posição num sistema de estratificação social? Ou refere-se à mobilidade horizontal que é o movimento físico de indivíduos ou grupos entre regiões.

Estranhamente, e se bem percebi, Rangel, com esta frase, mais parece um esquerdista radical da altura do 25 de Abril. Tece uma viragem populista do partido que nos últimos anos ficou virado para si mesmo, que foi, e é elitista, afirma agora que tem que se combater a estratificação social e a estrutura elitista e aristocrática da sociedade portuguesa, e fora com o doutorismo. Paulo Rangel mais parece um revolucionário marxista ressuscitado que defende levar Portugal no sentido da sociedade sem classe. Aonde chega o desplanto!

Afinal, quem és tu PSD?

 

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publicado às 16:09

A pele de cordeiro dos neoliberais

por Manuel_AR, em 10.03.15

Economia neoliberal.png

 

Sabendo-se que no mundo atual o motor da economia deve ter sempre por base uma forte iniciativa privada nos dias que correm, serão poucos aqueles que, mesmo sem o saberem, são liberais. Aliás, todos os partidos com exceção dos ortodoxos de esquerda têm um gene liberal no seu ADN ideológico, sejam eles democratas-cristãos, sociais-democratas ou socialistas (estes últimos consoante os países) para isso basta assumirem a importância da iniciativa privada como motor da economia.

Para que não haja equívocos de interpretação consideramos neste contexto que os liberais sociais defendem os direitos humanos e as liberdades civis e, neste âmbito, combinam o apoio a uma economia em que o Estado desempenha essencialmente um papel de regulador e de garantidor que todos têm acesso, independentemente da sua capacidade económica, a serviços públicos que asseguram os direitos sociais fundamentais.

Neste contexto o PSD e o CDS são hoje partidos que deixaram as suas raízes e passaram a ser neoliberais que apregoam a redução do estado à sua expressão mais simples, seja lá isso o quer que seja. Dizem que o Estado tem demasiado poder e intervém em excesso na economia. Tem-se provado a falsidade destas afirmações demonstrada pelo recente caso do BES, entre outros.

Fora de Portugal o caso da Grécia é a prova onde a imposição de medidas neoliberais conduziram a um desastre financeiro e económico onde os neoliberais da Nova Democracia perderam as eleições e o partido socialista grego PASOK, ficou reduzindo a uns escassos 4,7%. É isso que os neoliberais pretendem ficarem apenas eles com o controle da democracia. Mas, no caso da Grécia, enganaram-se fazendo disparar o Syriza e, em Espanha, veremos o que vai acontecer com o Podemos.

Como se tem visto nas reuniões do Eurogrupo as pressões sobre a Grécia são tentativas para derrubar o atual Governo e menos para tentar ajudar a Grécia a sair da crise. Após seis anos de austeridade a Grécia cresceu apenas 0,6%.  Com mais austeridade o que pode acontecer é ainda uma incógnita cujo resultado pode ser conhecido em breve. As afirmações de Schäuble sobre a Grécia são a prova quando disse hipocritamente que "Sinto muito pelo gregos. Elegeram um Governo que, neste momento, comporta-se de maneira bastante irresponsável" e rematou a reunião do Eurogrupo com "Os gregos vão ter certamente dificuldades em explicar este acordo aos seus eleitores...". 

Senhores financeiramente bem instalados, cujos rendimentos lhe proporcionam dispensarem o que for do Estado seja ao nível da saúde, da educação ou quaisquer outros serviços. Defendem um Estado do todos cada um per si e o do salve-se quem poder. Daí que defendam a privatização de toda a economia desde que lucrativa incluindo os serviços que devem ser da exclusiva responsabilidade do Estado. Isto é, o Estado deve privatizar tudo quanto for lucrativo e assumir tudo o der prejuízo. Aliás em muitas das privatizações é isso que se passa quem compra fica apenas com os ativos e o Estado com os passivos.

Todavia, defendem parcerias público privadas e subsídios a setores de atividade através dos impostos pagos por todos de que beneficiam apenas alguns cidadãos.

Foi esta a base ideológica da política em que o nosso atual Governo de baseou. À despesa exagerada e incontrolada do Governo anterior com a finalidade de dinamizar a economia através do consumo interno, o atual baseou o controlo da despesa apenas em cortes no setor social, salários da função pública, pensões de reforma, deixando à revelia outras áreas, nomeadamente no que se refere a sectores para onde o Estado canaliza verbas dos impostos que resultam na acumulação dos lucros em grandes empresas.

Apesar do abrandamento das medidas de austeridade e dos discursos de falinhas de mansas enganadoras do primeiro-ministro Passos Coelho e seus acólitos, elogiando um incipiente crescimento económico de 0,9% (relativamente às austeridades praticadas a Grécia conseguiu melhor) podemos ter a certeza que a austeridade apenas estacionou na berma devido à aproximação de eleições. Basta estar atento às declarações da ministra das finanças

No encerramento de uma conferência Maria Luís Albuquerque afirmou que os níveis de dívida pública e privada são elevados e que “o potencial de mais reformas é ainda grande” e, depois dos avisos deixados pelo Eurogrupo, Maria Luís Albuquerque manteve que Portugal vai ter um défice abaixo dos 3 por cento, saindo do procedimento de défice excessivo. Hoje, 10 de março, reafirmou que não serão precisas outras medidas para cumprir o objetivo do défice português para este ano mas, sobre a necessidade de mais reformas se for caso disso, afirmou: "…como já dissemos o Governo português mantem-se atento e ajustará a estratégia quando for necessário….". Deixa implícito o que poderá vir a acontecer. É apenas um ponto morto temporário até às eleições. Na eventualidade dos partidos do Governo ganharem as eleições já todos sabemos o que nos espera.

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publicado às 19:24

Eleições europeias e o neoliberalismo

por Manuel_AR, em 10.03.14

Há quem não queira ver um rosto neoliberal neste PSD e CDS que estão no governo e se refugie em explicações para demonstrar a invalidade deste conceito da teoria económica. Mas a realidade é que ele é uma consequência mais moderna do clássico liberalismo. A escola liberal clássica defendia a abolição da intervenção do governo em matérias económicas e ser o comércio livre o melhor caminho para o desenvolvimento das economias nacionais.

O neoliberalismo é uma nova espécie de liberalismo que foi incentivado pela rápida globalização da economia do tipo capitalista e centra-se fundamentalmente na obediência aos seguintes princípios:

a)      Libertação do setor privado de qualquer obrigação imposta pelo governo (o Estado) mesmo causando danos sociais. Redução de salários e do papel dos sindicatos deixando os trabalhadores desprotegidos com eliminação dos direitos obtidos durante muitos anos.

b)      Redução ou eliminação da despesa pública destinda aos serviços sociais como educação, cuidados de saúde, redução da rede da segurança de minimização da pobreza.

c)       Passagem da exploração e manutenção das redes de comunicação terrestre para entidades privadas pagos com os impostos.

d)      Privatização da energia e da água, tudo em nome de redução do papel do Estado. Ao contrário de atribuições sociais, o neoliberalismo não põe em causa o pagamento de subsídios do Estado a entidades privadas ao mesmo tempo que evita taxar os benefícios do negócio.

e)      Redução da regulação por parte do governo de tudo quanto possa diminuir os lucros, incluindo a proteção e segurança ambiental e a proteção do emprego.

f)       Venda das empresas e serviços públicos a investidores privados. Isto inclui bancos, indústrias-chave, transportes públicos, portagens, eletricidade, escolas, hospitais e água potável, cujo argumento é a maior eficiência dos serviços, justificado pelo efeito da prosperidade. Conduz à concentração em apenas algumas mãos.

g)      Eliminação do conceito de bem público e de comunidade que são substituídos pela responsabilidade individual.

h)      Pressão sobre grande parte da sociedade, mesmo sobre os mais pobres da sociedade para eles próprios encontrarem soluções para a falta de cuidados de saúde, educação e segurança social, deixando-os a cuidar de si mesmo e, se falharem, acusando-os de serem "preguiçosos".

 

Como se sabe a aplicação do neoliberalismo tem sido imposto por instituições financeiras como o FMI, o Banco Mundial e o Banco Central Europeu (BCE) a países mais frágeis. Em Portugal são a coligação PSD/CDS e a "troika" que, com agrado e apoiando-se reciprocamente, impõem políticas neoliberais.

Não é por acaso que surgem pressões para a imposição daquelas medidas, a que dão o nome de austeridade, aos países do sul da europa e cujo objetivo é justificado pela necessidade da diminuição dos défices que passaram a ser excessivos.

A crise financeira internacional e da europa que o PSD e o CDS desconsideravam quando se encontram na oposição veio ajudar a submeter alguns países para, sob pressão, procederem a uma viragem para políticas neoliberais. Ao aproximarem-se as eleições europeias começaram a verificar-se intervenções intencionais dirigidas ao nosso país vindas de várias instituições nacionais e internacionais de apoio às medidas do Governo e elogiando o esforço. Entretanto saem estatísticas cujos números que servem e ajudam a completar o discurso.

A política neoliberal que estamos a suportar em Portugal aplicada por este governo á consequente com os princípios anteriormente enunciados que, há cerca de três anos, podem ser comprovados pelos seguintes factos:

  • 12000 Pessoas perdem apoios por mês.
  • Governo cobra cada vez mais e distribui cada vez menos: IRS subiu 35,5% custo de vida 20% mas os apoios caem 7%
  • Mais de 440000 desempregados sem qualquer apoio em 2014.
  • RSI apoia menos 52000 pessoas que em 2013.
  • Em maio de 2013 havia 399000 desempregados com direito a subsídio que recebiam em média 510 euros mensais, em janeiro deste ano os 388000 desempregados recebem 470 euros.
  • O governo conseguiu aumentar as receitas de IRS em 35,5% num só ano. Apesar do empobrecimento das famílias o aumento de receitas de IRS. (Contradições do neoliberalismo?).
  • Em 2010 48% ganhavam até 10000 euros ano. Agora são 66%. Isto é, se em 2010 existiam 2,3 milhões de famílias a ganhar menos de 10000 euros ano (48%) em 2012 contavam-se já 3,04 milhões de famílias nessa situação (66%).
  • Portugal está melhor. Se salários e pensões foram cortados, o custo de vida nos últimos anos aumentou: o preço da eletricidade subiu 23%, o uso de hospitais 19,3% mais caro e o ensino superior subiu 5,1%.
  • Num único mês 50000 crianças perderam o abono de família.
Para tudo isto basta fazer as contas

Fontes: IEFP, Instituto da Segurança Social, Segurança Social, INE, Banco de Portugal

                                                  

O dados apresentados são apenas uma parte do conjunto das pessoas afetadas que poderão ter ficado felizes com o facto de "Portugal estar melhor mas as pessoas não".

Há uma lógica neoliberal que, ao mesmo tempo que provoca crises, protege os responsáveis e força os "peões" que são as vítimas a pagar os custos. Portugal não é original neste sentido mas é o que segue o padrão com mais afinco. Já nem os partidos socialistas se conseguem distanciar. Basta recordar o que se passou com os bancos. As medidas de austeridade também serviram para os reparar do que eles próprios causaram.

A pergunta universal que podemos colocar é: quem ajudará as nações se até os partidos ditos sociais se afastam da sua matriz?

O nível elevado de abstenção que se verifica nos períodos eleitorais é manifesto de uma desilusão pela ineficácia das respostas das políticas vigentes e alternantes, pela falta de escrúpulos políticos e de valores humanos que leva à aplicação cega das teorias do neoliberalismo económico, executadas pelos que nos têm governado há décadas.

Somos todos responsáveis quando, através do voto, escolhemos em função da imagem mais ou menos favorável dos políticos que as televisões nos vendem em lugar de programas de governo e das propostas que apresentam. Quem se abstém também não se isenta de responsabilidades pois contribui para que outros escolham por ele.

O absentismo da política e do exercício da cidadania por parte dos cidadão deve-se, em parte, ao medo da perda do pouco que ainda resta de pertença a uma classe que está em vias de perder tudo em prol de uma outra que vem impondo através do empobrecimento e umas e da exclusão social de outras.

No mesmo contexto a igreja católica portuguesa também não está isenta de responsabilidades porque como já não tem o que evangelizar na europa dota-se agora duma outra função que é a de, subtilmente, apoiar políticas de governos neoliberais, ditos de inspiração cristã, que lhes é mais favorável e dos quais tira vantagens. 

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publicado às 00:06

Imagem de http://horadoteras.blogspot.pt


 

Uma das primeiras coisas que leio quando compro jornais são os editoriais. Eles exprimem a opinião da direção em relação a determinada atualidade e, como tal, veiculam a opinião de quem os escreve quando não do próprio jornal. Nem sempre estaremos de acordo com o que eles veiculam mas não deverá ser por isso devemos insurgir-nos contra quem os escreve, mas antes considerá-los como um exercício democrático da exposição livre de ideias. Sou leitor mais ou menos assíduo do Jornal i e vem isto a propósito do editorial do dia 4 de março, escrito pelo diretor adjunto Luís Rosa. De acordo com a minha interpretação faz algumas insinuações tendentes ao descrédito do movimento que deu corpo às manifestações de 15 de setembro de 2012, comparativamente à de 2 de março de 2013, aliás como é apanágio da direita e da esquerda moderada quando estão no poder.

 

O Jornalista Luís Rosa vê no movimento a comunicação de mensagens supostamente apartidárias de “capa angélica”. A questão que coloco é saber se haverá mensagens ao nível da política, venham elas da direita ou da esquerda que sejam, de facto, apartidárias. Qual será no entendimento do autor do editorial, uma PSD,CDSmovimentação de massas ou uma comunicação apartidárias?

 

Do meu modesto ponto de vista, não há nada em política que não tenha como base um vínculo, quer ideológico, quer partidário, mesmo que mais ou menos ténues. Temos muitos casos destes, o mais evidente é o dos Presidentes da República que, antes de se candidatarem deixam de estar formalmente inscritos nos partidos em que militavam, não sendo, por isso, que passam a ser apartidários ou destituídos de quaisquer opções, independentemente de se autodenominarem presidentes de todos os portugueses. A experiência valida o que acabo de afirmar.

 

O editorialista esforça-se numa depreciação da manifestação assegurando que o seu objetivo principal era a queda do Governo PSD/CDS. Para além de outros objetivos, com este a que se refere não posso estar mais de acordo. Que outro objetivo poderia ter uma manifestação deste tipo? Apoiar todas as medidas deste Governo, como era no tempo de Salazar e Caetano, tempo que talvez o jovem autor do editorial, devido à sua ainda muito jovem na altura, não conheceu nem viveu na prática. Nessa altura organizavam-se apenas manifestações de apoio ao Governo. As da oposição eventualmente organizadas eram consideradas, subversivas e, como tal, ilegais, logo reprimidas. Em democracia quaisquer manifestações podem ser pró ou contra algo e não têm que ser obrigatoriamente apartidárias, podendo até ser multipartidárias.

 

A manifestação do dia 2 de março não foi, obviamente, apartidária. Considero-a mais como multipartidária e com representação de várias tendências e não apenas de esquerda como se pretende fazer crer.

 

Voltamos a querer ressuscitar o velho fantasma e aquela máxima em que todos os que se opõem a alguma coisa que não seja o formalismo governativo vigente escondem, por detrás, algo que ataca a democracia. Os tempos do PREC e do Gonçalvismo em que se vislumbravam conspirações antidemocráticas felizmente terminaram. Há muito que estamos na Europa, se algo vier naquele sentido já não será da esquerda, mas sim da extrema-direita, basta estar atento ao que lá se está a passar.

 

Diz o Jornalista Luís Rosa que “do movimento social apartidário nascido espontaneamente no Facebook, esconde-se um ataque ao formalismo da democracia representativa e a reivindicação de uma maior participação dos eleitores nas decisões de poder político” e de imediato admite que “o sistema democrático necessita de reformas”, mas não com os líderes destes movimentos que, para ele são todos do PCP e do Bloco de Esquerda. Se é que percebi, e espero enganar-me, a participação da reforma do sistema político deve ser seletiva, isto é, apenas reservada à participação e discussão dos partidos do Governo, excluindo outros.

 

Correndo o risco de me repetir devemos então concluir que deveria ser a direita neoliberal, que nos governa, a organizar e a aglutinar o descontentamento de milhões de cidadãos. Como não é, logo, existem nuvens negras imaginárias num céu que o autor prevê, com a ajuda de uma bola de cristal, vão conduzir a um marxismo que se combate apenas com um formalismo de eleições de quatro em quatro anos. Para demonstrar a sua tese vai procurar numa arca já carunchosa, onde se encontram os bolorentos argumentos e técnicas da pedagogia do medo.

 

Se ao menos estivesse atento aos acontecimentos da atualidade, e tenho a certeza de que está, veria que em muitos países os cidadãos são chamados a participar através de referendos sobre assuntos para eles importantes (veja-se, por exemplo, o caso que veio ultimamente a público na Suíça. Mas há outros).

 

Em Portugal o poder foge dos referendos como o diabo foge da cruz. Do ponto de vista de alguns, os cidadãos apenas têm direito a manifestar o seu descontentamento de quatro em quatro anos, apesar do Governo que legitimamente escolheram, rasgue o compromisso e as promessas que estabeleceu com os cidadãos, apesar da má governação, apesar de incompetências várias, apesar de omitirem decisões que se escondem nos gabinetes, apesar de enganarem os que o elegeram, etc.,erc.. Porque os elegemos em determinado momento, teremos que os “aguentar” até novas eleições sem queixume. Como o povo costuma dizer, comer e calar, mesmo que tudo se passe nos corredores de um Parlamento onde os interesses pessoais e partidários se coloquem acima dos do país e dos cidadãos. A Itália, desde o pós-guerra já teve mais de sessenta governos, o que, consideremos, não é bom, mas não deixou, por isso, de ser a terceira economia da Europa.

 

Segundo do seu ponto de vista acha, implicitamente, que os portugueses presentes na manifestação terão sido manipulados e enganados por alguns partidos e movimentos e que os restantes, os que não foram, isto é, a maioria, apoiarão este Governo. Mas que forte convicção!

 

Não, caro Jornalista Luís Rosa, escusa de chamar ignorantes ludibriados aos portugueses e a quem esteve na manifestação. A sua análise, no mínimo, é facciosa, porque, entre os milhares e milhares de cidadãos que, como eu, lá estiveram, não se identificavam com as forças políticas a que se refere nem estão a ser enganados como subtilmente pretende sugerir. Fomos com a consciência clara do que se está a passar em Portugal que vai para além de qualquer ideologia política ou partido. Há uma outra frase, que talvez eu tenha interpretado mal, mas é o que está escrito: “São estes que lutam por uma alternativa à democracia liberal…”. Este conceito de liberal após a palavra democracia, com deve saber, pode ter várias conotações políticas e cada um tirará as que quiser, todavia, o ser-se por si mesmo partidário do liberalismo não aflige ninguém que seja democrata, porque cada um é livre de optar pelo que quiser, o que será talvez menos democrático é considerar que toda a opção democrática passa apenas por uma democracia do tipo uni-tendencial e liberal. Para sustentar esta afirmação deixo as seguintes citações:

 

“…Tenho muitas dúvidas sobre a vantagem em deixar nas mãos da direita neoliberal, mais liberal do que democrata, o exclusivo do conceito de democracia liberal…”, e, “Quando o liberalismo radical tende a recuperar a antiga oposição entre liberalismo e democracia, sacrificando a segunda ao primeiro, incumbe à esquerda defender a democracia liberal enquanto síntese da liberdade e da democracia política”.

 

Mesmo considerando que, como diz, os perigos espreitam, os portugueses já têm a maturidade suficiente para, num quadro de eleições livres e democráticas, saberem muito bem o que escolher, bem ou mal, como o fizeram para escolher este Governo.

 

Estamos, e vamos continuar a estar por muitos e bons anos, numa democracia representativa, com eleições livres e democráticas no tempo e nos termos que a Constituição prevê. Deixemo-nos, portanto, de fazer a pedagogia do medo que apenas serve para a perpetuar no poder, até ao fim de legislaturas, governos de interesse muitas das vezes para grupos restritos. Ou será que é democrático continuar a legitimar um poder que se prova estar a desestabilizar e a destruir, política e socialmente um país até uma altura em que já seja tarde de mais para se corrigirem erros e fracassos de quem nos governou. Para esse peditório já demos várias vezes.

 

Par evitar que me tomem por um “perigoso esquerdista”, termino com a frase:

 

De esquerda, eu? Não. Mas se a direita é isto então prefiro a esquerda.   


 

 

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